quarta-feira, 5 de junho de 2013

Términus

Impressionam-me vidas que se resolvem num tiro ou numa corda. Vi morrer acidentados, doentes, velhos...Estes no hospital, aqueles em casa. A morte é solitária transferência. Mesmo que  haja quem nos goste sobre todas as miudezas que inventamos  em fuga aberta ao sofrimento. Se  haja um alguém que atrase a memória e prefira sofrer-nos a passagem. Alguém que nos dê a mão até à fronteira onde, de obrigação e necessidade, viajamos sós. 
Conheço às vezes certos sinais de morte e doença grave que vem vindo: a palidez de sepulcro que se faz transparente nas orelhas; o olhar  que não se agarra às coisas, desinteressado de haver; o corpo a desligar das tomadas num frio que progride. Mas o que me aflige é o drama escondido do suicida inesperado. Que o suicida nada tem de inesperado, só a notícia dele cai como um raio a a roubar-nos o chão.
Vivem os últimos dias a planear o fim e a aplanar o futuro de quem fica, a fingir a alegria ausente, no quotidiano, um tudo igual insuspeito. Mas tudo neles é esforço. Que agonia nocturna os consome a contar horas digitais. Qual seja o seu Monte das Oliveiras, suam sangue nessa entrega. Sobem o gólgota que se impuseram, arrebatados por tormenta ilegível.
E nenhum padre lhes acompanha o corpo. Porque mataram.
Mas  não o necessitam, senhor cura. Que um corpo morto não tem necessidades nem solicita.


E fica em mim uma ternura por essa paixão incógnita. Que ninguém reparou. Mas existiu.

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