terça-feira, 18 de junho de 2013

"Words"

Há uma série de filmes que abordam o mundo da escrita. Neles, fantasia-se demais acerca do que acontece com os escritores. Convenço-me que a imaginação trabalha sobre alguma coisa da realidade que marcou quem escreve. Sem dúvida. Lembro-me de Gabriel Garcia Marquez a referir numa entrevista que, durante anos, a memória vincou  em si a imagem de uma mulher vestida de negro com um garoto pela mão, que tinha visto numa tarde abrasadora e deserta a descer do autocarro em qualquer cidade ou vila que não recordo (ele recordava-se). Disse então o autor que sabia que iriam entrar num romance. E entraram. Tal qual a memória lhos preservou. Li esse romance quando desconhecia  estes factos – a impressão dos dois é apenas um pormenor alheio à trama -, e também em mim ficou gravada essa imagem inicial que se me presentificou ao ler a entrevista. Suponho que a criação exista sem a fluorescência que se lhe empresta, de noites e dias que não são porque as golfadas criativas impedem o escritor de lhes saber a sequência. A crer nas fitas, se lhes perguntamos na fúria da escrita, é dia ou noite? Não ouvem; se insistimos, são capazes de nos arremessar um chorrilho asneirento que nos magoa a audição, nos atinge o âmago e só não nos mata por um triz. É melhor não experimentar, que descem bastante na nossa consideração. Escusadamente. Mas o certo, certo, é que desconhecem às quantas andam. A criatividade é um demónio que age em completa posse. Não concordo nem discordo. Mas lembro Fernando Namora, sentado à sua secretária, num escritório que se via ser de trabalho, a afirmar que trabalhava com horário, que por vezes se obrigava a escrever, que a escrita por lampejos e inspiração não faz um livro. Acredito. Tanta folha de inspiração jactante matava uma pessoa. E os escritores só podem morrer velhinhos. Que nos fazem muita falta.
Words é um filme de 2012 que conta e conta e conta sobre escrever. E as histórias – três -  surgem umas dentro das outras. O filme inicia com um escritor a fazer o que em Portugal não é hábito: a ler capítulos do seu novo livro para uma plateia selecta, atenta. E o que conta vai sendo visto pelo espectador (nós). Basicamente, o próprio livro tem por tema a vida de um escritor jovem e mais ou menos falhado enquanto escritor que enquanto ser humano, bem ao jeito americano, é lindo, saudável, tem uma mulher espectacular e a vida do casal é, como diz o povo, um céu aberto. O cerne parece ser que enquanto escreve o seu livro que ninguém quer depois editar, descobre numa pasta de antiquário francês, que a mulher lhe oferecera aquando da lua de mel em Paris, um romance que é o protótipo do que ele mesmo gostaria de ter escrito. Mas, sabe-o bem, não tem talento. E copia-o. E compram-lho. Editam e é um rotundo êxito. Só que o verdadeiro escrevente, então já muito velho, reconhece-se nele (é autobiográfico), investiga e encontra “por acaso” o plagiador. Jeremy Irons é fascinante no papel de velho que já não espera nada. E conta também ele a sua história, ou seja, a história do romance-êxito publicado. E tudo nele é o inverso do rapaz. Nada lhe deu certo. Mas, talvez porque o tempo nos modifica, talvez porque não exista com quem compartilhar, não deseja dinheiro, fama ou outros bens. Não quer nada, não pretende alterações. Diz para que o outro saiba, para que compreenda que veio a público a sua vida. Porque, garante, deu mais importância às palavras que ao amor (quem queira, terá de verificar se é verdadeiro e ver o filme:). Os juízos morais deixo também para quem leia/veja).
E a fita termina com a réplica do primeiro escritor à audiência para que leiam o resto do livro, se querem saber mais. E com um tête-a-tête entre ele e uma garota insinuante que desde o início parece fascinada e o convenceu a levá-la ao lugar onde escreve – que é todo minimalista. Quer ela que ele lhe desvende o final. O que ele faz. Depois, garante-lhe que a realidade difere grandemente da ficção, cujo mundo ela tem de abandonar - aviso dele. Beijam-se. E depois nada. Rejeita-a. Pede-lhe que vá embora. Fim.
Gostei mais das duas histórias de dentro que são uma. Pareceram-me mais consistentes. Ou será que lhes achei consistência por gostar mais? Qualquer coisa.

PS: Há quem goste de saber pontuações. No IMDB tem 6.9

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