quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

"Andar à bossa e ao ganhoto"


As coisas que a gente encontra por este Alentejo de Deus! Bom, neste caso é apenas nos meus dossiers de memórias. Memórias de projectos tecidos em conjunto entusiasta. É bom relembrar verdades que não passam, onde estamos hoje como ontem. Inteiros.

Dantes, em todo o Portugal, mulheres e crianças “iam à lenha” No Alentejo, “ia-se à bossa e ao ganhoto”. “Andar ao ganhoto”, ao contrário do que o dicionário indica (rebento frágil de figueira, podado geralmente no inverno), ou, quem sabe, por causa disso, quer dizer “apanhar pequenos pedaços de lenha”. Talvez já não precisemos de “andar à bossa” (apanhar lenha miúda e pequenos ramos); talvez todo o calor, ou quase todo, seja hoje instantâneo e imediato, eléctrico, postiço, sem ter por dentro o esforço de procurar por pinhais e montados a lenha deixada para trás e que alimentava lumes caseiros. Porque não se acendia a lareira. Fazia-se o lume. E é verdade que fazer o lume não é acender a lareira. Há todo um trabalho concentrado na expressão “fazer o lume”, um tempo que é das mãos e do cuidado. Porque o lume não há. Faz-se. Valor da força artesanal que é também arte. Se todos sabemos acender uma lareira, nem todos sabemos “fazer lume”. Um lume exige ter andado à bossa com critério, ter trazido um feixe de lenha à cabeça e umas pinhas de braçado. E chegar exausto, mas feliz do calor que há-de ser e se trouxe para casa. Lume é lenha partida por nós, ganhoto a ganhoto, uma arte de misturar e dar a cada tronquinho pequeno o seu lugar. O lume só “pega” se for construído como se de casa se trate.

Haja quem procure os ganhotos de acender os lumes do nosso contentamento. 

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