domingo, 22 de fevereiro de 2015

António Zambujo

António Zambujo é Alentejo que chega à cidade. Andam-lhe os alentejanos nos meandros do canto como quem dá a volta ao monte e os seus apartes em palco tomam-nos eles por voz da terra. Quando justifica, meio a brincar, o facto de cantar sentado como verdadeiro alentejano que é, “eu gosto, é mais confortável – e com sorriso maroto -  encolhe-se a bochinha”, a afirmação abre um claro de riso na plateia. Os alentejanos presentes – e há muitos, Alentejo é lugar de migrações - sorriem a reconhecer-se. São conterrâneos em  recuperação de raíz, a relembrar o prazer de ajeitar  o boné sobre os olhos, navalha aberta à rodela fininha de chouriço, um quadrado de pão com preceito, pronto a embarque conjunto. Ouvem-no e alargam no assento, refastelam-se a regressar ao fundo de quem são, orgulhos carinhosos derretendo ao som da terra amada que toda perpassa na dolência sentida do concerto. Depois de Amália, é em António Zambujo que escutam o fado em prece. Bem sabem, há outras vozes. Grandes e bons fadistas, gente nova, de valor. Mas nenhum(a) canta o fado alentejanamente, vagares sinuosos a enlear no sentimento. A melodia é mais docemente triste na tirania suave do cantar de além Tejo, permeado por mornas e coladeras, com um quê de trópico brasileiro. Se fecharmos os olhos, vemos a casa fechada e irrecuperável de amores antigos, a chave no cofre do Tejo; e existe “a lambreta” que para na beira da esperança; fazem-nos pirraça as urgências exuberantes do par de “flagrante”; amamos o Z no decote aberto e simpatizamos com a garota do pica. O certo é que na voz de António Zambujo as palavras emprestadas ganham marca d’água,  autentificam em fundo requebrado de alma Alentejana.
Enche salas de espectáculo este rapaz baixinho de cabelo ralo e rosto de ajudante de taberna cujas mãos dedilham as cordas da guitarra, mas podiam limpar o balcão com um trapo sujo de vinho. Quando ele entra em palco todo nove horas,  posto em fato e gravata, quase parece uma traição ao avental e boné. Mas, depois da primeira canção, elide-se a roupa e a figura e resta o que enche as salas, uma voz quente de arrebatar, que sentimos tão nossa que mais não pode ser. António Zambujo é como o sobreiro plantado na paisagem: insubstituível.
Foi-me apresentado por uma amiga muito querida, um cd a tocar dentro do carro. E ela, “escuta bem e diz-me se gostas”. Mas sabia que sim, o olhar cheio de certezas alegres. Atentei e saiu-me, “tem voz de alentejano e canta tão bem!”. Ela a dar-me a sua avaliação de bandeja, “não é um encanto? Pensei logo que ias gostar” e eu perdida e achada na escuta, “há um toque de Cabo Verde e Brasil misturados na voz deste alentejano chapado." Ela a certificar o contentamento, “mas gostas? É que pensei logo em ti quando o ouvi”.
E na voz do Alentejo solarengo os alentejanos gostam de fado. Derretem no seu jeito arrastado de entoá-lo, a torná-lo um choradinho manso da região donde vêm e que não tinha ainda quem a cantasse tão propriamente. A verdade é que a “Sapateia” açoreana não lhe cai pior que o fado ou o canto espanhol, ou, supremo gosto, o cante alentejano. E também é verdade que, em cada espectáculo, ele puxa pelo Alentejo e não o faz apenas nas canções. Como é verdade que há nele um ecletismo de ser aprendiz eterno e se deixar misturar sem se perder na mistura, que lhe dá esse sabor novo, o vai apurando. Este rapaz – é um rapaz, pois - não se fecha às novas experiências, canta canções de outros autores que  - eles que me desculpem – só beneficiam com o seu peculiar.
Tudo em António Zambujo parece fácil notando-se que já foi difícil. O canto, a guitarra, as graças que entremeia nos espectáculos – ele que se diz tímido -, as pessoas que convida. Aprecia e respeita o público. A forma airosa e sempre brincalhona de aceitar os elogios das garotas presentes, o carinho embevecido com que o escutam os alentejanos dos quatro costados e os outros. É assim como se ele seja família chegada, lá de casa.

Muito obrigada, António.

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