António
Zambujo é Alentejo que chega à cidade. Andam-lhe os alentejanos nos meandros do
canto como quem dá a volta ao monte e os seus apartes em palco tomam-nos eles por
voz da terra. Quando justifica, meio a brincar, o facto de cantar sentado como
verdadeiro alentejano que é, “eu gosto, é mais confortável – e com sorriso
maroto - encolhe-se a bochinha”, a
afirmação abre um claro de riso na plateia. Os alentejanos presentes – e há muitos,
Alentejo é lugar de migrações - sorriem a reconhecer-se. São conterrâneos
em recuperação de raíz, a relembrar o
prazer de ajeitar o boné sobre os olhos,
navalha aberta à rodela fininha de chouriço, um quadrado de pão com preceito,
pronto a embarque conjunto. Ouvem-no e alargam no assento, refastelam-se a regressar ao
fundo de quem são, orgulhos carinhosos derretendo ao som da terra amada que
toda perpassa na dolência sentida do concerto. Depois de Amália, é em António
Zambujo que escutam o fado em prece. Bem sabem, há outras vozes. Grandes e bons
fadistas, gente nova, de valor. Mas nenhum(a) canta o fado alentejanamente,
vagares sinuosos a enlear no sentimento. A melodia é mais
docemente triste na tirania suave do cantar de além Tejo, permeado por mornas e
coladeras, com um quê de trópico brasileiro. Se fecharmos os olhos, vemos a casa
fechada e irrecuperável de amores antigos, a chave no cofre do Tejo; e existe “a
lambreta” que para na beira da esperança; fazem-nos pirraça as urgências exuberantes
do par de “flagrante”; amamos o Z no decote aberto e simpatizamos com a garota do pica. O certo é que na voz de António
Zambujo as palavras emprestadas ganham marca d’água, autentificam em fundo requebrado
de alma Alentejana.
Enche
salas de espectáculo este rapaz baixinho de cabelo ralo e rosto de ajudante de
taberna cujas mãos dedilham as cordas da guitarra, mas podiam limpar o balcão
com um trapo sujo de vinho. Quando ele entra em palco todo nove horas, posto em fato e gravata, quase parece uma
traição ao avental e boné. Mas, depois da primeira canção, elide-se a roupa e a
figura e resta o que enche as salas, uma voz quente de arrebatar, que sentimos
tão nossa que mais não pode ser. António Zambujo é como o sobreiro plantado na
paisagem: insubstituível.
Foi-me
apresentado por uma amiga muito querida, um cd a tocar dentro do carro. E ela,
“escuta bem e diz-me se gostas”. Mas sabia que sim, o olhar cheio de certezas
alegres. Atentei e saiu-me, “tem voz de alentejano e canta tão bem!”. Ela a
dar-me a sua avaliação de bandeja, “não é um encanto? Pensei logo que ias
gostar” e eu perdida e achada na escuta, “há um toque de Cabo Verde e Brasil
misturados na voz deste alentejano chapado." Ela a certificar o contentamento,
“mas gostas? É que pensei logo em ti quando o ouvi”.
E
na voz do Alentejo solarengo os alentejanos gostam de fado. Derretem no seu
jeito arrastado de entoá-lo, a torná-lo um choradinho manso da região donde vêm
e que não tinha ainda quem a cantasse tão propriamente. A verdade é que a “Sapateia”
açoreana não lhe cai pior que o fado ou o canto espanhol, ou, supremo gosto, o
cante alentejano. E também é verdade que, em cada espectáculo, ele puxa pelo
Alentejo e não o faz apenas nas canções. Como é verdade que há nele um
ecletismo de ser aprendiz eterno e se deixar misturar sem se perder na mistura, que lhe dá esse sabor novo, o vai apurando.
Este rapaz – é um rapaz, pois - não se fecha às novas experiências, canta
canções de outros autores que - eles que
me desculpem – só beneficiam com o seu peculiar.
Tudo
em António Zambujo parece fácil notando-se que já foi difícil. O canto, a
guitarra, as graças que entremeia nos espectáculos – ele que se diz tímido -,
as pessoas que convida. Aprecia e respeita o público. A forma airosa e sempre
brincalhona de aceitar os elogios das garotas presentes, o carinho embevecido
com que o escutam os alentejanos dos quatro costados e os outros. É assim como se ele seja
família chegada, lá de casa.
Muito
obrigada, António.
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