domingo, 16 de julho de 2017

Amizade

Tenho, como toda a gente, algumas amigas. Umas são companheiras de juventude; outra, de adultícia. Não me fecho a novas amizades, mas já pouco me interessam companhias esporádicas (nunca me interessaram). Não estou para isso. No entanto, só com uma discuto pormenores quotidianos. Também falamos da profissão mesmo se, sérias como num juramento,  prometemos antes não o fazer. Conto-lhe filmes e livros, desgraças com graça que sempre me acontecem e a fazem rir. Ela discorre sobre as questões da existência que na sua boca devêm assunto fácil e interessante.  Não sei que possa ensinar-lhe, mas sei o que, naturalmente, me ensina. É uma opinativa muito razoável, aquela menina.
São poucas, as minhas amigas. Deixam vazios nos dedos de uma mão. Contudo, depois de cerca de 25 anos perdida noutro planeta, achei uma. Melhor, re-encontrei-a. Assim. Do pé para a mão. Se a amizade é séria, a gente retoma como se fora ontem. Ou na semana passada. Quanta água passou sobre nós! Boa. E má. Rotineira, chuvinha de molha tolos. E diabruras climáticas de todo o feitio. Cada uma conheceu um mundo de gente outra, subiu na profissão, casou, teve filhos, arranjou e arranjaram-lhe alegrias e dissabores que desconhecia, sofreu desgostos dos grandes, daqueles que mudam corpo e alma e no impacto nos atarantam de tanto nos exigirem quem não somos. E nós a adaptarmo-nos como podemos, sou capaz, sou capaz, consigo, já consegui de outras vezes. Mas, depois disto tudo que não contámos uma à outra porque o tempo de estarmos juntas é pouco mas é hoje e o passado vem quando calhar se calhar, é um prazer tão grande rirmos juntas! Tal qual como dantes.  Não que sejamos felizes, mas rir a par sempre nos foi hábito e terapia, desoprime, torna-nos mais compatíveis com a estranheza de viver. Que nos exaure. A vida consegue ser mais caprichosa e birrenta que eu em criança.
Tenho apenas um remorso muito ligeiro acerca dela: era amiga da minha irmã e tornou-se minha amiga. Não houve troca, foi mais uma extensão. E até me parece que sintonizamos melhor passados 25 anos.
Foi nesta sintonia que ligou uma noite já pelo escuro, vamos amanhã à praia? E é claro que sendo eu a que fui, sem mais pensar, sim. E ela que saía cedo (a nossa praia é longe de mim e mais longe dela), e eu que a ia esperar porque desconhece onde páro e 25 anos depois a praia e os lugares, como dizia o filósofo, são outros sendo os mesmos. E claro que convidei a mana, havia um reencontro por fazer. Acordei com os galos. Ou antes. E deitei-me à roupa. Tudo preparado. Liguei e ela há dez minutos na paragem do autocarro, ainda tão longe. Comecei a ficar contente. Cada uma de seu lado, pusemo-nos a caminho.

 A minha amiga é sempre ela, a mesma. Gosta de andar, de ver, de explorar. Chegou antes. E não parou quieta. Como é parecida comigo em muita coisa e também nesta, nas encruzilhadas virou sempre para o lado errado. E vivam os telemóveis que nós chegadas e nada dela nem daquela menina adorável, com certo porte de deusa, que lhe chama ternamente mammy. Quando enfim descodificámos por onde andava, fui rolando devagar, olhos de  raio x. E vi-as assim, cheias de sol, marchando na ciclovia, do lado oposto. Apitei. Acenei. O traço contínuo a impedir outras proximidades. E as palermas, vai ali alguém a apitar, deve ser um homem; uma olha e, é um homem (não lhe perdoo, eu sei que estou a perder a feminilidade, mas escusavam o exagêro). De modos que, quando voltei atrás tinham sumido de novo. Parei numa aberta do stand de vendas e toda a gente que saía ou entrava do resort olhava para nós com a certeza de não podermos comprar uma garagem sequer. E nós olhávamos para eles na admiração de ver como é a gente que pode comprar tudo ou quase. E delas,  nada (ó raio de garotas). A mana, enganaste-te, não eram elas. Ligámos. Já estavam de novo a afastar-se, não nos tinham visto. E a mãe, que é tão como eu, qual é a marca do teu carro? Eu esquecida que o carro é velho mas não chega - ainda -  aos 25 anos, tu sabes a marca, tenho o mesmo carro. Dei referências do  irrefutável lugar e embrulhei a promessa, não saímos daqui. Pespegámo-nos as duas a mirar os magnatas que passavam em brutos carros, e, em boa verdade, me pareceram olhar de alto e com óculos de marca (sim, sim, mesmo por detrás dos óculos deles e meus, vi muito bem que era olhar de alto). À parte isso, a estirpe não difere assim tanto do vulgo. E diz a mana meio ansiosa, vou esperá-las. Fico a aguardar (até por estar mal estacionada) e vejo-as de longe. Desviam-se brevemente da mana, depois param e há aquele abraço de tanto ano. E beijos. E tal. A minha amiga não reconheceu a mana e desviou-se dizendo para o lado, esta gente está toda a passear logo de manhã, deixa passar esta senhora tão fina. De modo que chegaram as três numa galhofa. E lá seguimos para a nossa praia. Cantando e rindo. O resto conto amanhã. Logo. Ou. Há que encompridar os curtos bons momentos.

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