terça-feira, 25 de julho de 2017

Monólogo Encalorado

Cai sobre nós a torrina e os telhados enxameiam em ondas de calor. Lá fora, cães espojados ofegam, língua de fora; nos tanques de rega há águas doentes e amolentadas que não refrescam e chamam apetites de praia, frescuras de montanha, árvores ramosas e nós cá em baixo num friozinho agradável sob o céu de folhas. Ou inebriamos no cheiro da maresia, uma avidez de pés ao rés das ondas. E eu que não estou onde queria (raro estou). Os planos, se implicam vontades além da nossa, rareiam na execução.  A força do indivíduo leva de vencida as sintonias de grupo. E eu que sim. Que pode ser. Pode sempre ser. Tudo pode ser.
Por vezes, derrota-me este desenlace.  Contudo, não é inesperado, as pessoas são muito as mesmas. Cada vez mais si mesmas. Bem sei que sintonizar me cai sobre o corpo, o consome e exaure de tanto ser eu para tanta gente. E talvez nem valha a pena. Que nunca sabemos o que somos nos outros, o que de nós lhes fica,  a lembrança que permanece. De cada um resta um laço. Ou um nó.  Ou apenas uma aselha que deslaça ao menor encontrão. Sinais. Para muita gente não existimos e nem ela nos existe; para outros, somos necessidade maquinal e sem rosto. Só o afecto aproxima alguns do nosso eu exterior na legítima pretensão de sermos, uns nos outros, internos; de percorrermos neles, como eles em nós, alguns corredores transitáveis. Poucos. Que mesmo nessas ruelas periféricas eles se perdem, nós nos perdemos. Estacam, voltam atrás, desorientam, andam em círculo. Então, escancaramos a porta e eles enxergam luz de saída. E vão à sua vida. Talvez não procurem mais. Talvez encontrem sem procurar. Talvez haja um mapa para os caminhos da alma e o próximo percurso lhes seja fácil porque o nosso lhes foi difícil. Tudo que é, não é em vão.

Mas há os que resistem. Permanecem íntegros na sua força de ser,  fundeados no nosso coração.  São medida de sentido. 

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