quinta-feira, 27 de julho de 2017

Contornos de Maresia

A minha praia tem um recorte de serra a namorá-la.  Sei-a plantada por detrás da neblina quando há, a revelar-se num conta-gotas de horas, afogueada de sol, em redondos de ombros e calcanhares. Ao longe, emerge um reclinado e  lânguido corpo de rocha,  uma curva de anca vagarosa que a mão desenha e logo descai à cintura em debrum de sépia contra o azul. Nos pés, dança-nos um areal de finas partículas, causa de cócegas e afundamento, colchão de maciez natural que, por tonteria, não agradecemos. E há dunas breves, arremedos de colinas, leveza de paisagem a arredondar. Ali medram flores de sal e maresia, plantas de chão móvel e secura que se seguram e crescem milagrosas em rocha dispersa: cardos verde-violeta na sua beleza rasa e picotada a requebrar; pequenos tufos de flores roxas, azuis, amarelas, rosa, brancas; a leveza de vestes das flores brancas que noivam como açucenas e nos surpreendem  a florescer de planta sem arte ao rés da areia. E elas um véu a esvoaçar, tão lindas. E, lá na frente, a majestade serena da água. O mar feito mansidão e ondas batidas em castelo suave. A água viva e fresca onde renasço. Que tudo gosto nela e é em mim sem defeito. A minha praia é o mais perfeito refrigério, a mais suave massagem, o alisamento mais cabal da minha alma enrugada. E eu que sei do sol e da areia, das dunas e dos nudistas lá à frente de mama ao léu e pendurezas a céu aberto, que sei de conchas e búzios, tesouros vindos do deus dará e largados na areia depois das marés vivas, sei também que só a sua água me devolve. Alijo mágoas e desalentos e sou eu de novo. E é como se os banhos de mar me dispam de toda a opressão e haja de novo em mim a pessoa que sempre fui e tanto enroupo, disfarço, maltrato.

Bendita seja a minha praia. Para sempre, bendita seja.

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