sábado, 2 de junho de 2018

Feira do Livro 2018


À saída do metro, o vôo de olhos  desejantes procura a nuvem roxa, etérea primavera  dos jacarandás no Parque Eduardo VII. E eles em involução friorenta, na revessa uns dos outros a curtir o desconsolo. Dos troncos escuros desprende-se um dramatismo vibrante e os braços, que requebram em cotovelos sombrios, erguem-se da clorofila em angústia sinuosa. Envergonhados, murmuram pardas desculpas que o trânsito ilude, não sabemos o que se passa, mas há-de ser deste frio que atordoa e da falta de sol. E as gentes em demanda das barraquinhas dos livros, a esquecê-los de empreitada, ok, ok, já percebemos. Hoje, a demora promete ser inteira para as letras.
Na viagem por este mundo de papel, os alfarrabistas são tentação que requer vagar e uma partitura completa de amor ao livro.  É um nunca acabar de tira, põe, volta a tirar e a recolocar. Ali, a escolha é  bordado que se arrasta e volta atrás, qual teia de Penélope. Mas quem gosta de ler leva alegria para casa; e o facto de ser second hand só acrescenta: houve pelo menos outro par de olhos a demorar-se nas mesmas palavras. Dizia um senhor folheando o seu exemplar, “comprei um livro por cinco euros e não só tem assinatura como dedicatória, vale de certeza muito mais”.
E em cada editora há os muitos livros que nem são caros e se gostam. Os autores que se preferem. Os escritores que se querem conhecer. Os que se coleccionam. E aquela obra clássica em que  se faz gosto e pede maior largueza de gastos, quem sabe uma herança literária que se deixa a filhos ou demais família. Então ruma-se abaixo e acima a rebobinar o calendário de propostas e contrapropostas. Da decisão brotam sacos de plástico carregados a mãos ambas. E os livros contentes, na antevisão da comunidade que é sua e dos leitores.
Mas há ainda os autores com livros novos que marcam presença na Feira. Cumprem o ingrato papel de aguardarem clientes,  alguém que lhes chegue com um livro para autógrafo.  Nesta postura de quem dá mais, os escribas  provocam mal estar a uns e curiosidade mórbida a outros. A maioria está coíbida, sente-se cobaia. António Barreto, sem um cliente, a cumprir pena. Sérgio Godinho discorrendo ao micro - e ouvido em grande parte da feira - sobre a sua mesma constatação de que o livro Coração mais que perfeito, tem mais cenas de sexo do que supunha. Quem o ouvisse podia imaginar que tenha andado a contá-las, uma, duas, três, quatro...e por aí fora. E depois a conversa de que o escritor se deixa levar pelos personagens e vai por aí fora quase sem dar conta. E que na escrita de tais cenas não sofreu de inibições nem pensou em netos, filhos e demais família que mais tarde ou mais cedo hão-de lê-lo. Uma fatia de público muito razoável a escutá-lo. A editora não perdia em ter convidado Júlio Machado Vaz. Daria boa conversa, até porque a escritora que o acompanhava tinha uma obra – trabalho de pesquisa - sobre o adultério em Portugal.
Noite escura. Frio. Pelas vinte e uma horas, o povo cerrava casacos e debandava com garra. E os jacarandás enovelados em parede de sombra mas ainda a prometer,  talvez amanhã ou depois, talvez que antes do términus o nosso manto lilás a debruar a Feira. E alguns a sono solto, sonhavam já com o apetecido bem estar: um mar de flores lilases.

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