À
saída do metro, o vôo de olhos desejantes procura a nuvem roxa, etérea primavera
dos jacarandás no Parque Eduardo VII. E
eles em involução friorenta, na revessa uns dos outros a curtir o desconsolo. Dos
troncos escuros desprende-se um dramatismo vibrante e os braços, que requebram em
cotovelos sombrios, erguem-se da clorofila em angústia sinuosa. Envergonhados,
murmuram pardas desculpas que o trânsito ilude, não sabemos o que se passa, mas
há-de ser deste frio que atordoa e da falta de sol. E as gentes em demanda das
barraquinhas dos livros, a esquecê-los de empreitada, ok, ok, já percebemos.
Hoje, a demora promete ser inteira para as letras.
Na
viagem por este mundo de papel, os alfarrabistas são tentação que requer vagar
e uma partitura completa de amor ao livro. É um nunca acabar de tira, põe, volta a tirar
e a recolocar. Ali, a escolha é bordado
que se arrasta e volta atrás, qual teia de Penélope. Mas quem gosta de ler leva
alegria para casa; e o facto de ser second
hand só acrescenta: houve pelo menos outro par de olhos a demorar-se nas
mesmas palavras. Dizia um senhor folheando o seu exemplar, “comprei um livro por
cinco euros e não só tem assinatura como dedicatória, vale de certeza muito
mais”.
E
em cada editora há os muitos livros que nem são caros e se gostam. Os autores
que se preferem. Os escritores que se querem conhecer. Os que se coleccionam. E
aquela obra clássica em que se faz gosto
e pede maior largueza de gastos, quem sabe uma herança literária que se deixa a
filhos ou demais família. Então ruma-se abaixo e acima a rebobinar o calendário
de propostas e contrapropostas. Da decisão brotam sacos de plástico carregados
a mãos ambas. E os livros contentes, na antevisão da comunidade que é sua e dos
leitores.
Mas
há ainda os autores com livros novos que marcam presença na Feira. Cumprem o
ingrato papel de aguardarem clientes, alguém
que lhes chegue com um livro para autógrafo.
Nesta postura de quem dá mais, os escribas provocam mal estar a uns e curiosidade mórbida
a outros. A maioria está coíbida, sente-se cobaia. António Barreto, sem um
cliente, a cumprir pena. Sérgio Godinho discorrendo ao micro - e ouvido em
grande parte da feira - sobre a sua mesma constatação de que o livro Coração
mais que perfeito, tem mais cenas de sexo do que supunha. Quem o ouvisse podia
imaginar que tenha andado a contá-las, uma, duas, três, quatro...e por aí fora.
E depois a conversa de que o escritor se deixa levar pelos personagens e vai
por aí fora quase sem dar conta. E que na escrita de tais cenas não sofreu de
inibições nem pensou em netos, filhos e demais família que mais tarde ou mais
cedo hão-de lê-lo. Uma fatia de público muito razoável a escutá-lo. A editora
não perdia em ter convidado Júlio Machado Vaz. Daria boa conversa, até porque a
escritora que o acompanhava tinha uma obra – trabalho de pesquisa - sobre o
adultério em Portugal.
Noite
escura. Frio. Pelas vinte e uma horas, o povo cerrava casacos e debandava com
garra. E os jacarandás enovelados em parede de sombra mas ainda a prometer, talvez amanhã ou depois, talvez que antes do
términus o nosso manto lilás a debruar a Feira. E alguns a sono solto, sonhavam
já com o apetecido bem estar: um mar de flores lilases.
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