quinta-feira, 7 de março de 2013

Kahaani


A provar que a filmografia indiana está de boa saúde. E a lembrar-nos que o filme policial é um género onde a Índia não descansou ao sétimo dia, a crer nesta película de bom argumento, surpresa feliz do nosso imaginário.
Uma Índia tão pobre que me traz à memória a única parte do Brasil que conheço, a zona de Fortaleza: muita gente, muito calor, uma sujidade repassada nas paredes que desbotam a pintura, cores outrora vivas e ora arremedo, a miséria solta por ruas e homens. E, tal como nos brasileiros, a lentidão a raiar o ingénuo de viver, a naturalidade que ergue, à força de braços, os dias pesados, o ar entre o cândido e o matreiro, a explicar os revezes da fortuna. A uma queixa da personagem sobre a inexistência de banhos de água quente no hotel, e que o chuveiro só água fria, violando o anúncio da entrada, responde de pronto o proprietário: a publicidade não é enganosa, há no hotel uma criança que basta chamar e logo leva a chaleira com água quente a quem o deseje. Mas a isto se resume a semelhança entre indianos e brasileiros. Que no Brasil não paira a alegre bonomia indiana. E se ressente da miséria com tiros e roubos sem destino. São gente de pouco sorriso grátis, revoltada da riqueza a seus pés. De outrem.
No pecaminoso dos dias, a brancura dos uniformes policiais mostra a Índia de contrastes. Arrebata-nos a religião que cresce das funduras de cada um, qual Parvati de mil mãos; o trabalho infantil que se aceita sem mérito ou ódio, as crianças sorridentes, a encará-lo como segunda natureza; a boa índole dos indianos em geral. E, mais que um halo, fica-nos a extensão infinita do calor e o cheiro palpável do suor. É nessa Índia sensorial, repleta de copos de chá vendido pelas ruas e que imagino mal lavados, que passeiam os olhos de veludo das mulheres; diz-se que tal profundo suave é do khol, mas lhes vem de passos de fêmea em alma indiana. Das brechas dos saris, o fruto macio e castanho da pele espreita  o mundo onde o poço dos olhos se derrama. Liquidamente. E neles, um quê de especearia rara a tocar todas as coisas.
No resto, o filme segue as normas de um policial. E uma mulher a respirar – ou transpirar - uma sensualidade muito grávida.
Aprecio filmes que não vivem de abraços, beijos e posições de kama. Que apontam os muitos sentidos de viver.

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