sexta-feira, 29 de março de 2013

O Rapaz de Bronze



Tenho mania de coleccionar alguns poucos autores e raro deixo a livraria sem que um deles a balançar-me no braço, contente de sair da estante. Se me move a busca de um preciso livro, saio com dois. Ontem, divaguei olhos por títulos e fui andando a tomar gosto a capas. Tenho em relação aos livros a atitude de alguns homens em garrafeira: embevecidos pertinazes, são ensimesmados contentes de si, enquanto assim. Mas Sophya. E o irresistível Rapaz de Bronze. De que só conhecia o título. Não vale disfarçar, gosto mesmo dos contos dela, assentam-me na idade, sei lá porquê. Amo-lhe a suprema elegância de onírico maravilhoso. A delicadeza das palavras que tão bem descrevem um mundo de faz de conta que existe afinal dentro de nós. A linha depurada e fina a delinear a essência das personagens.
Os contos da Poeta não coabitam com maldade a valer e até nos defeitos, alguma graça. E, por isso, toda a história é descarregada de sombras. E o resto é a poesia a brincar com o imaginário em jeito infantil e verdadeiro,
E eu sou uma flor. Poiso a minha cabeça na doçura da noite e as minhas mãos são frescas e perfumadas.
                Cativa-nos a verdade transparente, aquele leve perpassar de sentimentos fundos em elevação simples e não transitória, mão dada ao imaginário. Que o convoca:
Florinda – disse o Rapaz de Bronze -, vou-te ensinar um grande segredo: quando tu vires uma coisa, acredita nela, mesmo que todos digam que não é verdade.
E este segredo surge da confidência de Florinda que assistia a nocturnas conversas e danças entre as folhas de tília à beira do quarto e em que ninguém acreditava salvo, como se lê, o rapaz de bronze. E, contudo, existiam. O livro é mesmo sobre o aspecto outro que tem a realidade, se nocturna. E conta a festa das flores que, pela noite, andam e falam e sentem como as pessoas. Vivem num jardim maravilhoso onde o rapaz de bronze é rei; embora, à luz do dia, apenas estátua. E não esquece a importância dos cheiros e aromas que têm algumas flores pequeninas como a flor do Muguet, com quem o Nardo dançou atraído pelo odor.
E desconhecia esta flor miúda que tão bem serve a Sophya. Um impossível estilizado.
Não gosto do Cristo da agonia, que dele só entendo o humano grito:
Pai, se é possível afasta de mim este cálice!
Quem sabe, a flor do Muguet lhe perfumou os pés e o corpo quando as mulheres o prepararam já sendo nada. Quem sabe, se ao reviver ressumava ainda o desvelo perfumado dos unguentos. E apresentou a Tomé a ferida do lado, exposta em ausências de sangue. E, no ar coalhado de espanto, apenas um leve aroma a flor do Muguet.

Boa Páscoa


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