sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Classe média-baixa no feminino

As mulheres da classe média baixa são mulheres de primeira água e deixam na vida a sua obra de nozinhos e arabesco, um primor mais celestial que nuvem de bilros. Não existem nós iguais. A beleza mora na obra das mãos perseverantes que se atiram aos imbróglios da vida, os suam e mastigam e, qual caracol, segregam um desenho.
Elas desenham quando pegam no pincel e na trincha e pintam as paredes de casa, os muros, as portas e janelas, os móveis velhos que mudam de cor e são outros. Criam grandes murais nas festas de família e nas outras quando se deitam ao fogão e só desgrudam depois de tudo pronto. Contornam e arredondam ângulos quando, diárias, destinam e fazem almoços e jantares, aviam marmitas de trabalho, lanches de infância e dos outros. Plantam flores em jarra nas tardinhas de canções e histórias, e sempre que  se debruçam a ensinar os filhos a cumprir na escola. Esculpem quando passam a casa a pente fino espreitando-lhe as miudezas, avivando recantos, adivinhando feridas iniciais, pondo pensos e remendos. Pintam quando saem a compras lembrando faltas, a bolsa a desviar de apetites. Enfeitam quando a época de saldos descola e elas se erguem acima das tentações. Deixam uma doçura ambiente  se compram o que gostariam de ter e desistem de  um gosto por quem julgam merecê-lo. 
Às mulheres da classe média-baixa pouco sobra de tempo ou economia para supérfluos, e nas revistas cor de rosa lêem o mundo que não lhes coube nem entendem. Que vêem com curiosidade de viagem ao circo: habilidades sem sedução, que não aprenderam. Tenho a certeza que, se um impulso da natureza as levasse a todas num repente, havia um buuummmm monumental,  a classe média-baixa caía abrupta. Elas, como acontece a todo chão que pisamos, não são reparadas.
A minha esperança não é que as reparem. Quero que se extingam. Que surjam outras e novas mulheres. Sem ombros de Hércules. Que tanto músculo já chateia. A elas.

“Beijinhos à prima que a prima já sabe” (terminar a leitura do texto com esta expressão; para o efeito, usar de tom displicente e um franzido de lábios que acentua no inferior e acompanha com o devido trejeito de cabeça)


PS: sorry, não resisti a rematar com o que na minha infância assinalava o desinteresse por falta de novidade no discurso. 

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