Bom. Se alguém me dissesse que
havia de escrever sobre uma subclasse que nem sabia que existia e onde os
ventos e a minha falta de tacto e desinteresse pelo vil metal me plantaram, eu
negava, veemente. Mas é um facto, aconteceu. Que eu pertencer à classe média já
me parecia boa vontade, mas enfim, transijamos, era ideia que não tresandava.
Para ser piamente sinceríssima jamais me imaginei garrotada numa classe, presa
em cela de tanta gente. As classes foram-me sempre meio estranhas. Das
numéricas às sociais. É termo que não me apraz. Digamos que comecei por
entendê-lo no sentido académico e em crescendo de saber e importância, primeira
classe, segunda classe, terceira classe…Mas uma bela manhã perdemos a camioneta
da carreira – nomeávamos assim a atual rede
viária – e, reféns de compromisso datado, fomos correndo para o comboio, meio de
transporte mais dispendioso e selecto. A minha curiosidade estacou apavorada à vista
dos três degraus altíssimos e tive de ser içada pelo revisor. Meti-me por um
corredor estreito e deparei com um compartimento pequeno, bancos estofados e
cortininhas nas janelas, um ou outro senhor refastelado, de onde minha mãe me
arrancou à força quando já aninhava fofuras, os pés a meio metro do chão. Disse
ela que ali era a 1ª classe. Empurrada na sua frente para a 2ª classe,
impei de expectativa. Que nada, à 2ª classe faltavam estofos, cortinas e o
recato de silêncio elegante que dominava o ambiente arrumado lá de trás. A
partir desse momento, compreendi que subir nas classes não era necessariamente
um bem, o aumento numérico podia mesmo significar um decréscimo de importância.
Nos comboios, a minha classe era a segunda.
Quando,
em aritmética, aprendi as ordens e classes numéricas é claro que as baralhei umas
com as outras e a qualquer exercício inquiria olhando à volta a buscar boia que
me acoitasse, ordens é qual; ou: a classe das unidades é o quê. É indubitável,
a aritmética tem grande responsabilidade no meu rancor classicista. Mesmo. Mais
tarde, na disciplina de História, voltaram às lides sob o nome de classes
sociais. No antigo Egipto, na Mesopotâmia, em Roma, na Grécia. E sei lá que
mais. No meu fraco entendimento, só os povos antigos viviam estratificados em
classes. Nós não. Nós éramos povo e acabou-se. Tínhamos uns governantes
extraordinários cujo retrato ladeava o crucifixo e portanto, fora de toda a
dúvida, boníssimas pessoas.
Após a
formatura e lançada ao mundo do trabalho, já perto da maioridade, vivi
situações tão caricatas que jamais me ocorreu pensar-me fora da pobreza. Mas,
hélas, já adulta, veio o veredito: uma amiga clarividente catalogou-nos abrupta,
somos classe média, parva. E eu intrigada, somos? Então porquê? Ela, olha lá, ó
parvalhona, temos um ordenado certo e muito mais alto que a jorna dos nossos
pais, temos um serviço de saúde dos melhores, subsídio de almoço e de férias -
não te esqueças que gozamos 30 dias de férias – os nosso pais nunca tiveram
nada disto – e a atar o ramo -. Estudámos e eles não. Portanto, nós subimos. Viemos
de baixo mas subimos, ouviste? Encasqueta isto nessa cabecinha, nós duas somos
classe média. E eu que não tinha dado pela subida quedei-me a pensar se aquilo seria
mesmo verdade ou só conversa.
A
verdade é que os traços de pertença à dita classe média sempre me foram
negligentes. E ainda persevero em ser povo indiferenciado. Bom, mas é que um
dia destes, a minha amiga, que deve ter um laivos de deus criador e quer dar
nome a tudo, após uma discussão de carestias sem destino que nos assolam o
presente, rematou: pois é, é o que dá pertencermos à classe média baixa. A mim, ser deslembrado da jaula, veio-me
aquela claustrofobia de curral a descer degraus. Ora esta!
Mas quem são afinal as mulheres
da classe média baixa? As que fazem ao fim de semana unhas de gel e levam a semana
de luva enfiada para não estragar o efeito? Também. As que vão mensais à
cabeleireira pintar as raízes? Sim. As que poupam ano inteiro, cêntimo a
cêntimo, ou se esmifram em extras que lhe saem do corpo, para poderem gozar uns
dias de férias? Sem dúvida. As que correm os saldos repudiando marcas, a rebuscar
artigos de qualquer estação e que preferem matéria universal a peças
sazonais? Ok. As que, em reticência atenta, fazem gordas contas às vírgulas da
economia mensal e, mal surge um gasto inesperado, buscam despesa a eliminar?
Claro que sim. As que guardam uns trocos porque o futuro é traiçoeiro e a
doença o estreita? Exacto.
Mas elas, as mulheres da
classe média baixa, são tanto mais.
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