quarta-feira, 23 de abril de 2014

Tecno Variações

Não gosto de postar-me em mágoas e interrogações. Prefiro contar histórias, inventar personagens e pô-las a viver situações que conheço da experiência e invento parcialmente, a fazer posts. Se leio um post de outra pessoa quase sempre me maravilho com o que pensa e o quanto é capaz de transformar em palavras o seu quotidiano, transferir para texto elucubrações que não me ocorrem, preocupações com o mundo que tento ignorar e ali me surgem dissecadas, razoáveis, envoltas em razões quase científicas de tão válidas, escorreitamente deitadas à net. Sou uma nulidade a postar. Falta-me assunto. Uniformidade. Constância temporal. E outros enfins.
Acontece que comprei a Visão – leio-a em duas qualidades: leitura rápida, no primeiro dia; e na íntegra, de 5ª a 5ª, ao pequeno-almoço. Riam. A actualidade nunca me interessou. Continua a não me interessar. Não sou pela notícia e vivo desinformada. Ignoro olimpicamente os jornais, salvo se trazem entrevista que me interesse. Quanto a revistas, são-me acessório de praia. Numa manhã, li o artigo “Tecno-Utopias O plano louco dos novos senhores do mundo”. E constrangi.
Ora bem. Sei que não sou livre, ainda que o pretenda. Que estamos todos dentro de uma malha social e política a obrigar-nos ao caminho. Que a história nos condiciona – tanto a individual quanto a de H maiúsculo – e pesa e age sobre esse ser genético e diverso que cada um é. Como se toda esta carga não bastasse, há um movimento libertarianista que projecta criar micro nações flutuantes que fogem aos impostos e a todo o tipo de barreira (incluindo a da tão corroída ética), constituídas por – Hélas! – grandes cérebros informáticos, os actuais senhores do digital, que se arrogam direitos e proveito para destruir governos, originar crises mundiais e and so on.
Pronto. Agora poderia enveredar por um texto moralista e falar da ausência de valores, de onde pára a dimensão de humanidade…e não é que não me interesse. Acontece ser pouco dada a romantismos sem consequência. O que me assusta é o irrestrito de liberdade que esses cérebrozinhos potentes querem para si. Os deuses terrenos são um escárnio da divindade e um mal para os outros homens. Fora do lugar, são tão inestéticos como uma mão no fim do tornozelo. E são perigosos. Porque a sua humana vontade – razão tinha Kant – não é necessariamente boa. Logo, tem que ser controlada. Temos na história o exemplo das oligarquias tirânicas. E não detinham o poder destes tecno oligarcas.
Detenho-me a pensar que efectivamente a tecnologia nos invadiu o quotidiano. Sabemos que as cartas mais dizem de nós que os mails, mas usamos mais os últimos; temos presente que a conversa presencial ou até telefónica é mais próxima que os chats de conversa, os comentários em blogues ou em qualquer rede digital, mas gastamos muito mais tempo nas redes sociais. E cometemos erros crassos.  Por ser meio onde raramente se diz o que se é e mais se quer parecer o que se deseja. Apesar de reconhecer alguma razão na afirmação, “nas redes sociais a gratificação é imediata”, intrigo: que espécie de gratificação se pode procurar com likes, estrelas, ou visitantes que nem lêem o que escrevemos e se limitam a deixar beijinhos – que nunca dão – e a dizer que gostaram muito do que nem se dão ao trabalho de conhecer. Por que razão adversa hei-de gostar de ter centenas de visitantes cusqueiros?! (certo, há outros géneros e aprende-se qb na net, desde que a isso nos proponhamos e tudo dependo do uso, bla, bla, bla…)
Vejamos outro caso: na infância, todos aprendemos a pedir desculpa.  Em primeiro lugar sentíamos arrependimento, e, para lhe dar fim – sabíamos que tínhamos sido injustos e a injustiça não é de convivência fácil -,  havia um movimento para a outra pessoa, passo algo difícil, mas tão necessário à outra pessoa como a nós; sempre mais a nós. Era olhos nos olhos, como nos ensinaram e também ensinámos, “tens que olhar para os olhos dele e pedir desculpa”. Porque é tão fácil pedir desculpa e não se sentir arrependido como desculpar e continuar ofendido e rancoroso. Então, era o único caminho para que pudéssemos ambos – eu e o outro/a - continuar. Os erros, os enganos e os atrofios hodiernos perdoam-se virtualmente, desculpam-se sem na verdade serem desculpado. Quiçá nem se precisa que o outro desculpe, bastará haver o pedido de desculpa usando  qualquer coisa que nem me pertence e de que me aproprio para o efeito.

Faz-nos falta voltar aos bancos da escola….

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