segunda-feira, 4 de maio de 2015

O Que Sabemos Do Que Não Se Sabe

A morte é um incompreensível para os vivos. Como bem frisou uma senhora conhecida, “estar morto é o contrário de estar vivo”. Não entendo por que razão toda a gente desatou a cortar na afirmação e na madame; vários séculos antes de Cristo, Heraclito também o admitiu. É certo, fazia parte de uma teoria de opostos em harmonia “O mesmo é o velho e o novo, a saúde e a doença…”, que pretendia dar conta do surgimento de todos os seres. Mas está lá, preto no branco, que a morte é o contrário da vida (entre outras oposições). Passavam-se estas coisas no tempo em que as origens do mundo importavam a alguns espíritos. Bom, na altura também se julgava que Heraclito padecia da cabeça com a mania que tinha de falar por aforismos  aparentemente inintiligíveis, razão do epíteto “O obscuro” que conserva até hoje, principalmente por não ser já capaz de o retirar. Há quem se adiante ao tempo e é rotulado de louco para cima. Portanto, imagino que os pré-históricos não tenham achado graça a essa unidade redentora entre opostos que tão depressa são opostos como são o mesmo. Mas não nos alonguemos ou ainda o assunto se perde.
Há uma estranheza, um assombro que isola o morto em seu casulo de madeira. Num velório, que é coisa muito triste mesmo, com cheiro a flores que apodrecem (as velas agora são eléctricas), as gentes entram para os vivos e espreitam – os que espreitam – o morto. Aproximam-se em respeito e temor. E não é o  cadáver que se teme, é a morte ela mesma, ali corporizada. Levanta-se o véu e não surge - nunca lá está - quem pensamos e conhecemos. Por isso, cara senhora, tinha e continua tendo razão, estar morto é o contrário de estar vivo.
A verdade é que o corpo que tanto nos acompanha é o que sobra. Um quase nada. Que ainda por cima fede, é matéria em putrefacção.
Mas comoveu-me o teu gesto de beleza terna, a aconchegar-lhe a blusa de laço, um beijinho na testa, como se fora um dia e uma hora qualquer, “mãe, vou beber café”. E depois a justificação que tão bem conheço, “para ela, vou sempre beber café”.


PS: peço desculpa a mim pela fuga ao propósito do primeiro post. Que se registe como excepção. 

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