segunda-feira, 18 de maio de 2015

Volantes Que Me Fazem O Ser

As patetices que vivo com o automóvel só têm fim na morte: minha, dele, ou nossa, que não se me dava morrermos juntos, gosto mais dele que de muita gente. Continuo uma naba ao volante e já me aconteceu quase tudo exceptuando acidentes de grande monta.
É claro que, no dia seguinte ao exame, pretendia ir a guiar para o trabalho. Redondo engano. Apercebi-me dias depois que sabia conduzir um único veículo, o da condução e, se fora a desejo meu, não tardaria a fazer negócio com o dono da escola de instrução. Ok, o carro tinha dois volantes, e depois?! Nada se comparava à confiança que sentia quando nele me sentava. Verifico hoje, com alguma apreensão, que os anos pouco mudaram o meu carácter. Na premência dos factos, as minhas respostas continuam uma falta de juízo pegada:  um dos meus filhos à beira de nascer e eu a prometer a um deus que, a existir, muito se terá divertido, que carregava para sempre aquele barrigão, queria lá saber da criança não nascer, livrar-me da dor é que era importante. Parecia-me um bom contrato, mas escusei de fazer vestidos que empatavam metros e metros de tecido (é verdade, no meio de tanta dor, a passar-me de solidão e sofrimento – as aflições apanham-nos sempre sozinhos -, e ainda me demorei a ponderar  a carestia da roupa).
Voltando ao tema: durante a instrução julgava que tinha problemas com os pedais. Mas só julgava. Quando, a uma travagem diabólica, o meu filho saltou na cadeirinha do banco traseiro (é verdade que ele se tinha desatado, mas a anatomia das cadeiras de bebé prevê essa situação, portanto…) e me aterrou no colo, vi claramente visto, que o meu problema era sério. E de imediato me sobreveio uma carga de remorsos e de lágrimas que mais assustou a criança. Então, numa daquelas minhas decisões radicais, resolvi deixar o volante em paz e dediquei-me com afinco aos transportes públicos. Durante uns anos continuei a invejar o descanso e despudor de toda a gente que passava descontraída e ao volante, mas, no fundo mais fundo, achava-me estúpida por ter carta e não guiar.

Ora, uma das minhas amigas – por sinal a que usa o mesmo diminutivo que eu – convenceu-me brandamente, a tentar de novo. E a sua brandura desinteressada emprestou-me a energia que faltava. Apenas nós duas (ela só dominava os volantes do badmington). E, como em nenhuma altura apresentou sintomas de medo – deixei o carro ir abaixo várias vezes –, até consegui levá-la onde queria. Quando saiu de minha casa carregava a promessa de que eu iria guiar todos os dias até ser um ás do volante. Mas acontece que não voltou. Entretanto, aproveitou para casar, ter dois filhos, ser uma senhora e isso. E eu, muito obediente, continuo a guiar todos os dias. Ainda a espero. Satisfazia-me mesmo dar-lhe uma boleia sem deixar o carro ir abaixo. Pergunto-me se a causa da sua ausência se prenderá com a certeza intuída da minha inépcia….

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