segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Mistérios de "Fazer Anos"

A infância palmilha-nos a existência e vai destinando aqui e ali. Depois dos vinte, quando a decisão passou a pertencer-me por inteiro, a graça de haver aniversários esvaiu, escorreu como água entre os dedos, movida pelo desábito nos festejos. Para disfarçar o desânimo, instituí um princípio: passar o dia dos meus anos com o mar. Propósito que cumpro há mais de três décadas, salvo uma ou outra excepção.  Contudo, entre os vinte e os quarenta ainda me assaltava a leve esperança de uma festa-surpresa, reunião de amigos e família mais chegada. Que, naturalmente, não aconteceu; ninguém me adivinhou o sonho.
 Hoje,  fazer caminho até ao mar já não substitui o desânimo; é alienação saudável e desejada, ritual que me descansa a alma cansando o corpo. Nas voltas do caminho, perdi o anelo de presentes e a festa-surpresa de outrora tem estridências de palermice barulhenta e indesejada. Envelheci. Mas continuo a celebrar a alegria de mais um começo. E, mau grado os meus esquecimentos negligentes, arranho-me  na indiferença dos mais próximos.
Entretanto, os anos galgaram uns sobre os outros. Alguns saltaram com mais arte, que isso de 365 dias é calendário. Quem não teve horas que duraram vidas, minutos que ameaçaram a eternidade, semanas que voaram...que atire a primeira pedra.

Mas este ano alguém me fez um bolo carinhoso e o trouxe até minha casa como se um cristal lapidado; não descurou o doce de ovos, concentrado de pingos luminosos apurados em lume brando, doçura lenta a escorrer bolo abaixo; acobertou as nozes partidas em risonhas metades de cara patusca; completou com velas e enfeites de aniversário ao rigor e gosto infantil. E montou tudo à minha vista. Ali. Num cuidado fraterno de dedos embebidos em ternura de tanto ano. Éramos só nós a cantar parabéns e bater palmas (cantei e bati palmas a mim, o que bem vistas as coisas, é estranho). E não sei explicar, mas aquele bolo soube-me ao aniversário que tanto desejei em miúda.  Era ele e mais nenhum. 

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