A
infância palmilha-nos a existência e vai destinando aqui e ali. Depois dos
vinte, quando a decisão passou a pertencer-me por inteiro, a graça de haver aniversários
esvaiu, escorreu como água entre os dedos, movida pelo desábito nos festejos.
Para disfarçar o desânimo, instituí um princípio: passar o dia dos meus anos com
o mar. Propósito que cumpro há mais de três décadas, salvo uma ou outra
excepção. Contudo, entre os vinte e os
quarenta ainda me assaltava a leve esperança de uma festa-surpresa, reunião de
amigos e família mais chegada. Que, naturalmente, não aconteceu; ninguém me
adivinhou o sonho.
Hoje, fazer
caminho até ao mar já não substitui o desânimo; é alienação saudável e desejada,
ritual que me descansa a alma cansando o corpo. Nas voltas do caminho, perdi o
anelo de presentes e a festa-surpresa de outrora tem estridências de palermice
barulhenta e indesejada. Envelheci. Mas continuo a celebrar a alegria de mais
um começo. E, mau grado os meus esquecimentos negligentes, arranho-me na indiferença dos mais próximos.
Entretanto,
os anos galgaram uns sobre os outros. Alguns saltaram com mais arte, que isso
de 365 dias é calendário. Quem não teve horas que duraram vidas, minutos que
ameaçaram a eternidade, semanas que voaram...que atire a primeira pedra.
Mas
este ano alguém me fez um bolo carinhoso e o trouxe até minha casa como se um
cristal lapidado; não descurou o doce de ovos, concentrado de pingos luminosos
apurados em lume brando, doçura lenta a escorrer bolo abaixo; acobertou as
nozes partidas em risonhas metades de cara patusca; completou com velas e
enfeites de aniversário ao rigor e gosto infantil. E montou tudo à minha vista.
Ali. Num cuidado fraterno de dedos embebidos em ternura de tanto ano. Éramos só
nós a cantar parabéns e bater palmas (cantei e bati palmas a mim, o que bem
vistas as coisas, é estranho). E não sei explicar, mas aquele bolo soube-me ao
aniversário que tanto desejei em miúda. Era
ele e mais nenhum.
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