Depois
o tempo arrefece e traz a queda da folha e a lambedura de vassouras
prestimosas. Acende-se o fogo. As noites alargam. E elas sonham com ver obra
pronta, festejam-lhe princípios com olhos ternos e alegres, imaginando os
finalmente. Enquanto isso, os homens papam notícias à velocidade da luz e
engolem futebois de todo o feitio. E elas de viagem no comboio do tempo, a
arredar livros e outras distracções, agora não posso, as notícias passando num corrupio e a ficarem para trás. Novembro encontra-as imersas
em imbricadas operações. A dois meses
da Natividade, iniciam as listas de compras e marcam prioridades. Escrevem.
Pensam na contabilidade. Riscam. Substituem. Repensam, lápis no ar e olhos em
onde. Deixam uns pontos de interrogação para irem resolvendo, ou esperam que o
tempo resolva. Não raro, levantam-se da cama em mordedura de ideia, riscam
algumas linhas e começam de novo. A este ponto, algumas interrogações
desaparecem da frente dos nomes.
E Dezembro chega embrulhado em gelo e névoa. Friorenta, a natureza recolhe-se, involui.
Manhãs de cama que apetece. Noites de ninho a chamá-las. E elas a resmalhar
sacos, ainda não, tenho de adiantar um bocadinho neste pano, coser esta bainha,
riscar este bordado. Ou, se a profissão muito as aperreia e são nocturnas em
casa, ainda vou pensar no que quero comprar. E depois, porque sempre há um
depois que é de comprar, adquirem as prendinhas com destino longínquo, os
cartões que vão junto, as boas festas escritas. E, para quem mais se quer bem e
há muito se não vê, uma carta cheia de palavras que nada dizem, mas são mais
que coisa nenhuma e esperam vá aquecer o coração leitor. Porque no Natal as
mulheres gostam mais de quem gostam. Não me perguntem porquê que não sei
responder, mas é assim. O coração delas fica maior e abraça mais gente em
simultâneo. É um fenómeno. Mas as mulheres, essas fadas feiticeiras, são cheias de mistério.
Na
semana que antecede o nascimento mais mediático do mundo – para elas o Cristo
bebé nasce mesmo em cada ano -, atazanam a paciência dos funcionários dos
correios. Entram atoladas de sacos e endereços, compram caixas e caixinhas,
incham prendas em envelopes de almofada que mal colam, distribuem cartões e
cartinhas por todos, esperançam no correio azul que agora esbranquiçou. E saem.
Mais animadas que soldado cumpridor.
Deixaram tudo que trouxeram, mas guardam a bem-aventurança de imaginar o prazer
de quem recebe. E isso, nenhum receptor sente. Só elas.
Parece que terminou. Mas é que nem
pensar. Consultam a lista e há o rol de gente próxima. Que recebe em mão. E
alguns trabalhos por concluir. Fazem mais um périplo por lojas. Gastam mais
tempo de agulha ou pincel. Percorrem a lista a riscar o adquirido e ainda a
mudar prendas. Fazem contas novas que há mais duas ou três pessoas de quem
gostam e que é sacrilégio passarem sem, ao menos, uma lembrança. E aí abrem mão
daquele pecúlio que guardaram para os saldos e lá vão para o galheiro e sem
pena ou hesitação, as calças que precisam, o etecetra que faz falta.
E,
quase, quase na véspera, afinal aquela visita com que não contavam, confirma e
vem mesmo. Traz a família. Então, hipotecam as contas do mês, levantam-se no
cedo, entram em lojas proibidas e adquirem o último Menino Jesus.
E
agora venham para cá com consumismo e época de prendas que se dão e ninguém
quer, que logo vos digo. O meu Natal não é este, mas podia ser. É assim que o
sei. Portanto, é sobre ele que escrevo. Também existe o outro? Ok, mas não o
conheço nem quero ser-lhe apresentada. Rejeito-o solenemente.
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