sábado, 18 de novembro de 2017

Oh, a Insustentável Leveza

Tanta coisa de esguelha neste meu mundo pequeno. Tanta coisa onde a  humanidade se apouca. Não a humanidade deles. A nossa. Tanta coisa a deixar um lastro de baba gomosa, rasto de ranho escorregadio e excrementício que não era suposto, mas nos existe. Que se vê na mesa onde todos os conferencistas usam óculos de massa preta, ademane por certo muito in; ou no afã da palavra escrita, das actas que depois darão um livro, um volume de papel (mais um) sobre o futurismo. Ou, no como de se medir e saber o sucesso de um congresso quase sem assistência, eivado de comunicações que, na maioria dos casos, foram leitura apressada  feita em quinze minutos, sendo que, mais de um terço eram em língua estrangeira e sem tradução. Mas chega-se ao fim e a avaliação é de grande sucesso. E sem um senão. E não podia faltar a referência contínua à colaboração da nossa sumidade, Eduardo Lourenço. E a tristeza que é ver e ouvir a voz quase inaudível de um homem a deixar de ser ele, que se desculpa por não ter colaborado, por, ipsis verbis, “corpo e mente já não lhe obedecerem”; que se engana em alguns pontos - estará a perder a audição? - e ainda assim tem razão. Que eu vira-o na véspera, sentado na primeira fila. E o quadro diferia. Estava só. E só ficou quando, sem abraços ou palmadinhas, todos se deslocaram para o bar. Depois observei-o a subir os degraus da saída. Penosamente. Sem ninguém. A vontade que tive de ir ajudá-lo. Eu que me encolhia por ali, mais estrangeira que os conferencistas italianos que circulavam em bando. Julguei que talvez não apreciasse. Há pessoas que prezam muito a sua autonomia e se esforçam por mantê-la. Para mim, naquele momento, era apenas um velhinho a precisar ajuda. Talvez tenha feito mal em tolher o ímpeto. Não há dúvida, a utilidade comanda a vida. Se és uma inteligência brilhante e internacionalmente reconhecida, a tua presença é desejada, disputada, requerida. Mas quando o mundo percebe que passaste, que o embaraças e já não dás mais, fica-te o nome que ele usa e abusa; porque tu, pessoa x ou y, talvez nunca tenhas importado. É nesta baba que crescemos e somos. É nela que nos movemos e vamos escorregando.

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