domingo, 19 de novembro de 2017

Olívia

Estamos a um mês do Natal e vou, como sempre, comprar-te uma prendinha que tu agradeces com um telefonema que só fazes por essa mesma razão. Sem prenda, não te lembras de me ligar. Há gente escrava de causalidades necessárias. És como és, sou como sou.
Quando os achaques me percorrem o corpo e parece que tudo em mim sossobra, penso em ti. Também por seres mais velha. Como te darás com a velhice, que órgãos te ameaçam de dentes arreganhados, dores como cães de má fila. Quem te socorre. Talvez a prima te mime na doença. E chego mesmo a julgar-te mais acompanhada que eu, o que nem é difícil. Nas famílias há uma inadvertida distribuição de papéis e no meu a doença pouco conta. Na verdade nem tenho ideia do que conte. Será talvez a certeza da disponibilidade, coube-me aplanar o caminho de todos. Cada vez mais sou uma árvore. E olha, nem sei onde encontrar forças para mais um Natal. Não faças caso, é apenas a doença a falar. Quem sabe em Dezembro estou boa e tudo se faz e passa como sempre. Que não é bem.
Como sabes, a morte não é estado que tema por aí além (aquele momento da passagem, sim, deve ser difícil). Como Sócrates, julgo que seja um apagar definitivo. Um nítido nulo sem ponto de nitidez. Que me agrada, viver cansou-me demais. O eterno nada parece-me seguro. E não julgues por isso que o desejo. Não. Estou disponível para ele quando queira vir. É só.
Não tenho forças para mais mudanças na minha vida. Não que ela me seja fácil ou agradável, mas é a que me pertence. Já vivi a desejar um emprego, alguma coisa que me tirasse do buraco, me desse uma hipótese de pensar em mim de outra forma; a desejar uma casa em qualquer lugar do mundo. Mas hoje tudo que pretendo é continuar a sobreviver sem depender de ninguém. Não pesar. Se possível, ser leve até na morte.
Sei, não estou natalícia. Mas hei-de. E oxalá te sintas bem, que o bem estar dos que amamos ajuda a compor o mundo.

Um beijinho doce

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