quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A Vida de Pi


Filme de 2013
Fui ver “A vida de Pi”. Pareceu-me que sim desde o título. Sem mais saber. Um feeling comum a todos os filmes que. Ir ao cinema no cinema é um dos meus extraordinários. E ontem, um extraordinário. Cheguei sobre a hora, a penumbra instalada no seu conforto e eu a levantar os pés, imaginando degraus, sem identificar a letra da fila – não que fizesse diferença, a sala só tinha mais um ocupante – o saco da mão direita a resmungar papel o tempo todo, até que encontrei o lugar. Gosto de me sentar onde pertenço, mesmo quando, como ontem, me pertencem todos os lugares menos um. É claro que fechei os olhos vezes inúmeras; em situações de perigo, tenho esta balda, como dizia uma colega na primária. Na sua maior parte, o filme desenrola-se no meio do oceano; um tigre de Bengala esfomeado – tantos anos pensei que eram tigres que faziam habilidades com bengalas e afinal… - com um rapaz ao alcance das garras, tem necessárias cenas de impasse, só menos passionais e não sangrentas porque sabemos ser o rapaz o contador da história e temos presente o início do filme: está inteirinho; a viver a sua condição de indiano tranquilo. E, nesse aspecto, me fez lembrar um tipo de filmes que detesto, 007, em que, por maiores as atrocidades, todos sabemos: o herói sai ileso. Mas as semelhanças acabam aqui. Ou talvez não.
O que mais gostei no filme vem, curiosamente, do início. Há nele uma certa identidade com o que penso seja a cultura indiana. A própria ideia de divindade a ligar todos os homens, independente de crenças específicas, foi o grande princípio de Vivekananda e a forma de unir os indianos e ser respeitado internacionalmente, fazendo respeitar a Índia até aí dividida em credos religiosos diversos. Narendranath Dutra pertence à História Hindu, foi marco do progresso a que gosto mais de chamar proposta de humanismo socio político assente em princípios religiosos. No filme, este espírito Pan encarna, supostamente original, em Piscine Patel, o rapaz, Pi, que sobrevive ao naufrágio do barco onde seguia com os pais, o irmão e todos os animais do seu zoológico. De posse da sabedoria infantil, o seu deus reunia todos os deuses das religiões por si conhecidas. Sem fronteiras, Pi limpa de supérfluo a casa da religião e deixa  ficar aquilo com que hipoteticamente, irá viver a vida toda. Para além desta, a segunda impressão foi do maravilhoso que percorre o filme. Ou seja, a maior parte do filme é impossível. Irreal –  ainda assim, quase de certeza dei uns gritinhos, mas pensava no 007 e acalmava – Não é crível tanta provisão num bote, menos o é uma viagem em que o rapaz se vê com uma zebra que aterra lá dentro, a macaca Orangejuice e o tigre Richard Parker, nadador espetacular. Além do mais, o início do naufrágio mostra pessoas no bote e é repentina a viragem para a companhia dos animais. Depois seguem-se as peripécias incríveis de sobrevivência dos dois, de que saliento uma chuva de peixes voadores mesmo na hora H; mas são todas tão espectaculares quanto fictícias, e em que o único real podem ser impulsos e crença, a vontade de viver de ambos e a confiança religiosa de Pi. E o mais incrível, para quem ainda não tenha dado por isso, é a ilha onde aportam. Tudo nela é mágico desde o chão. Tudo. Como se o realizador queira apagar dúvidas, tomem, aclarem a mente.
E quando, quase no final do filme, o contador Pi diz ao jornalista escutador que a história contada à companhia de seguros teve de ser outra, sabemos ir conhecer a verdadeira história. Mas já não acreditávamos na anterior. O jornalista preferiu o mito. Talvez porque Richard Parker o olhava. Tranquilo. Da selva.
E quem quiser saber mais, vá ver o filme. Leia os, de certeza muitos, outros posts. Por certo digladiam o sonho e o real, falam da necessidade de imaginário quando o real nos afoga no hediondo da sobrevivência. Da razão que não é caminho de preferência, do relativo entre bem e mal, da luta entre instinto e razão que é fraca ou nenhuma perante a iminência da morte.
Deixo uma arenga a todos os que, como o jornalista, preferem a luta titânica de um rapaz e um animal selvagem entre si e contra os elementos: ela não seria possível sem a realidade. Eros falou sempre mais alto. E não há como desligar os dois mundos sem criar desumanidade.

PS1: talvez a minha análise seja um pouco diferente. Será porque me esqueci de colocar os óculos 3D, ainda virgens na minha mala :))

PS2: Apesar da ausência dos 3D: Há qualquer coisa de luxuriante e sensorial a irradiar em todo o filme, do sotaque à ponta dos cabelos de Pi. 

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