quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Desencontro


Dar é um prazer muito humano. Dar. Porque se gosta. Porque os outros precisam. Sem porquê, além do amor. Dar só existe se é transbordo do coração. O resto são entregas; pagas; moeda de troca; compra de favores. Mimesis.
Quem dá, dá de coração e não espera retorno senão o do sentimento. É este pensamento que me orienta o espírito de Natal, aniversários, comemorações e situações de coisa nenhuma em que simplesmente me apetece dar; porque alguém se me presentifica numa montra ou num objeto e intuo como sinal. E nunca tal me foi engano. Dou a quem gosto. Na esperança da irrupção da alegria. Afinal, sei-lhes vaidades e gostos; e também necessidades. Conheço-lhes a vida.
Por isso me surpreenderam os teus olhos fugidios, nevoentos, quando recebeste a minha prenda de Natal. Comparaste? Quando ta comprei pensei que abdicava de qualquer coisa para mim, e ta dava a ti. E fez-me feliz a ideia. Palavra. Talvez por isso, deixei cair o teu olhar sombrio, as tuas palavras de vento a cortar, este ano só dei prendas baratas; não mais os lembrei. Até te ter visitado, tempos depois. E quando me mostraste a compra que fizeste com a minha prenda – tão linda, tens melhor gosto que eu, deve ficar-te bem -  que não vestiste para que eu visse, antes me estendeste um livro. Toma, comprei-to no mesmo dia.
E eu que gostava e era verdade, que não sou capaz de não gostar de livros. Mas senti um aperto cá dentro, porque nunca antes me deste um livro sem quê;  pagavas-me a prenda de Natal. Não compreendes que és incapaz de ma pagar.
E um frio de seda entre nós. Que decerto não sentes.

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