terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Escrito na Areia

Mal o novo ano atira braços ao mundo,  ataca-me a febre de me propor a fazer coisas. Agir. Neste ou naquele sentido. Pura ideia de mudar alguma coisa que pouco exija ou corro risco sério de nada fazer. Não tem a força de um objectivo, antes é seta apontada a projectos parados, futuros comprometidos por preguiça ou entupidos de imprevisto, pseudo-urgências que dilataram no desinteresse de anos. E talvez que, enraizada no espírito judaico-cristão, eu tenha uma ideia difusa de bem pessoal, o propósito meio inconsciente e egoísta que visa actualizar o que me facilita a vida ou a torna mais agradável. Que ninguém projecta para ter vida mais danosa e escura. Essa filosofia  dirigida à intenção e fins últimos da acção cristã, que a define pela natureza egoísta que visa sempre e em primeiro lugar o bem pessoal, tem a sua razão, mas parece-me mais abrangente: desconheço ser pensante que assim não proceda nas linhas gerais de coser-se. E até uma qualquer alimária instintiva lá chega. Ah. Grande coisa, dizem-me, a esse raciocínio chega qualquer pessoa. Ok, desculpem. Bem sei, sou atrasada por natureza e feitio, se chego seja onde for, já todos lá estão. Sorry.
Os tempos vão estranhos. Ele são cataclismos na casa da Europa e noutras. Há depois as misérias mundiais que ameaçam e comprometem o mundo como o conheço.  E eu sem paciência nem saúde para conhecer outro ou ter-lhe assim um interesse espevitado. Embora o tal mundo outro se imponha e, com interesse ou sem ele, eu vá a reboque nem sei bem de quê, que por mais que leia e tente informar-me - ou sobretudo por isso -,  cada vez me aparece menos futuro. Que, à parte a velhice a talhar-mo curto, os homens - sim, esses seres desastrados, que não há bicho mais estranho à face do mundo conhecido – parecem apostados no mal. Pois. Isso mesmo. No mal. Perversidades umas atrás das outras, seres mesquinhos empoleirados como galo em galinheiro, gente néscia a mandar no que não entende e apenas atenta aos seus ódiozinhos particulares. Chegámos a isto, um irrazoável Quero, Posso e Mando.  Ou a banalidade do mal, diagnóstico de Hanna Arendt que se acentua como praga.
Mas, dizia eu lá mais acima, “os tempos vão estranhos”. Também os meus (será influência da conjuntura). Que este ano, só agora me dei conta, não houve nada de coisíssima nenhuma. Quais propósitos, quais quê.  Doenças para a frente e uma mudança de vida que não idealizo – ninguém idealiza estas coisas. Num foguete, os dias devieram uma mescla de horas sem etiqueta que não consegui ainda aquietar. O meu tempo de sossego foi para o galheiro. De modos que é en retard que tento propositar. E porém. Para quê propor o que a seu tempo, no ano seguinte, nem averiguo se cumpri e nem recordo.  Ah, pois é. Sou prestes a identificar e propôr, cumpro alguma coisa e, de seguida e sem remorso, apago tudo. Portanto, mais uma vez, estou a zero. Que me propus no ano passado e  quanto cumpri, é material incógnito.

Assalta-me a dúvida, valerá a pena delinear propósitos?! Vou pensar nisso enquanto tento encontrar o tempo que me pertence e desenlear as horas do imbróglio em que se meteram que não há ponta por onde se lhes pegue. Ó senhores! Que vida! 

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