Quando
nasci ainda não existia um dia da mulher. Nesse tempo, os dias eram todos
delas. Para trabalho, entenda-se. Porém,
Abril de setenta e quatro trouxe muita novidade. E uma delas
foi a celebração de festividades desconhecidas: o Dia do Trabalhador, o Dia da
Mulher. E outros que não recordo.
A
primeira vez que ouvi falar no Dia do Trabalhador, logo o associei ao género
masculino. Hoje não penso assim. Vejamos. É certo que os homens são aquela
força de trabalho. Fortes de músculo e, pelo menos nos campos, a dar conta do
trabalho pesado. Porém, na sociedade portuguesa, os homens que conheci e
conheço, na sua grande maioria, trabalham onde seja, mas pouco mexem nas lides
domésticas. Pertencem ao género masculino que tem sempre tempo para uma
conversa, um café, uma saída. Em casa, “ajudam”. Ora “ajudar”, como a palavra
indica, é dar uma mãozinha a alguém, não é repartir tarefas. Quem “ajuda” fá-lo
de livre vontade e enquanto lhe aprouver, não tem obrigação. Mas afinal como
é?! As mulheres têm, como eles, uma vida profissional, casam ou vivem juntos,
pagam a meias uma data de coisas que a meias têm, e elas ganham em casa um
ajudante em vez de um par. Ora bolas. E
esta é só uma das razões porque julgo que o Dia do Trabalhador pertence mais às
mulheres que aos homens. Antes assim não fosse. São elas que exercem mais trabalho
diário não remunerado (sem férias ou
feriados), quotidianices palermas mas necessárias e cansativas, que gastam tempo e aplanam o caminho
dos outros: em casa, na família, com amigos, parentes e etc. Encontro-as no
princípio de todos os laços e lá estão para a tristeza dos desenlaces, que a
vida não é cheia de rosas. É nisto, fundamentalmente, que elas se gastam e desgastam. E o tempo livre evapora.
E
posto que acima já descriminei uma ou outra razão para o Dia do Trabalhador
ser, em meu entender, sobretudo dedicado à mulher, passemos ao oito de Março. A
data honra o género maioritário no planeta e que, mau grado todas as leis e
protecções já instituídas, continua a
ser tratado por segundo sexo, como escreveu e bem ousou, Simone de Beauvoir. Escolheu-se
uma data histórica: a 8 de Março de 1927
ocorreu a revolta “Pão e Paz” que mobilizou noventa mil operárias russas
contra o czar, justamente indignadas contra as más condições de trabalho, a
fome e a participação da Rússia na guerra de 1914-1918. No entanto, o Dia
Internacional da Mulher apenas foi instituído a partir de 1921. E só em 1945 a
ONU assinou o primeiro acordo internacional a consagrar princípios de igualdade
entre os dois sexos. Como é difícil ao homem descer do podium!
Contudo,
discordo da existência de um dia para as mulheres. Se os dois sexos, salvaguardadas
as suas diferenças específicas, são iguais em direitos e deveres, qual a razão
para haver um Dia da Mulher? Que eu saiba, não existe um Dia do Homem (e não me
digam que são todos os outros porque essa é a palermice de quem não quer pensar
no assunto). As mulheres são sem dia ou hora. Como as mães. E os homens. E os
pais. E não quero que as respeitem num
dia, que façam simpósios e conferências pontuais, que se lembrem dos seus
direitos numa semana específica. Quero que esses direitos estejam implícitos na
sociedade, façam parte do nosso quotidiano, que as respeitem com a dignidade
que é devida a qualquer ser humano.
Sobretudo, quero que termine esse aleijão social que é a violência doméstica, de que ainda hoje se morre em Portugal. Ou seja, há homens que não têm vergonha de agredir um ser de constituição física mais frágil, tanta vez uma pessoa de quem gostaram, de quem muitas vezes têm filhos, com quem privaram o mais intimamente possível. É prática contra os Direitos Humanos e, digo eu, uma indignidade. As palavras existem para serem usadas; por alguma razão falamos e nos compreendemos uns aos outros. Somos seres racionais e viver em sociedade implica aceitar cumprir leis e regras que nós mesmos fizemos. Se, em 2017, ainda não reconhecemos, com prática efectiva, que todo o ser humano beneficia dos mesmos direitos e deveres...há caminho a fazer.
Sobretudo, quero que termine esse aleijão social que é a violência doméstica, de que ainda hoje se morre em Portugal. Ou seja, há homens que não têm vergonha de agredir um ser de constituição física mais frágil, tanta vez uma pessoa de quem gostaram, de quem muitas vezes têm filhos, com quem privaram o mais intimamente possível. É prática contra os Direitos Humanos e, digo eu, uma indignidade. As palavras existem para serem usadas; por alguma razão falamos e nos compreendemos uns aos outros. Somos seres racionais e viver em sociedade implica aceitar cumprir leis e regras que nós mesmos fizemos. Se, em 2017, ainda não reconhecemos, com prática efectiva, que todo o ser humano beneficia dos mesmos direitos e deveres...há caminho a fazer.
Simone
de Beauvoir afirmou que não se nasce mulher, tornamo-nos mulheres, “On ne nait pas femme. On le devient”. A
pensadora admite que a natureza humana iguala homens e mulheres e que a desigualdade foi construída por quem sempre
deteve o poder: os homens. Temos de convir, faz algum sentido.
É
fora de dúvida que a vida democrática aproximou
os portugueses do patamar igualitário pelo qual tantas mulheres lutaram
e lutam; que a legislação mudou muita coisa na sociedade; que as mentalidades evoluíram um pouco. Mas ainda não estamos lá. Simone tem razão, “on le devient”. E quanto há ainda por fazer!
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