quarta-feira, 1 de março de 2017

No Tempo da Escola

Entrámos numa sala pequena. De um lado,  um balcão envidraçado até ao tecto. Do outro, sentaram-se os adultos, espaçados  e um a um. Atrás da parte de balcão que nos coube, havia um cubículo vazio com uma porta e um  banco. Ao abrir da porta, meu pai ali.
Não nos tínhamos preparado para os factos, vivêramos durante meses juntas e imersas no mundo do hábito, minha mãe a prover ao sustento das duas. À nítida presença do outro lado do vidro, o braço de minha mãe contraiu no aperto involuntário do meu corpo, um amplexo inadvertido e singelo, juntas conseguimos. Ou um pedido de ajuda silente, não podemos fraquejar. Senti-lhe a surpresa dolorida atravessar-me a roupa. Por minha vez, se não fora chocar de costas contra o seu peito, teria recuado de espanto até à parede oposta. Só nesse momento entrevi a magnitude do meu sonho impossível.  Correr para ele, beijá-lo, dar-lhe a mão e chegá-lo a minha mãe, era devaneio feliz, modo meu de ser criança e que a realidade contrariava.  No lugar do rapaz alto, surgiu-nos um homem macilento e magro em demasia, a minha incredulidade pespegada no obsceno de cabelo rapado e couro cabeludo exposto, na roupa sem graça a alargar pelo corpo. Meu pai pôs a mão no vidro de separação e logo o calor criou uma névoa a coalhar ao rés dos dedos. E quando minha mãe lhe apôs a sua, recuperei alento. Recordei-nos a jogar à sardinha e fui sobrepôr  a minha mão sobre a dela. As mãos deles, palma com palma, embaciavam o vidro na frente e no verso. E enquanto assim, os olhos de minha mãe eram fontes a saudá-lo por inteiro em fios de água suave. Cristalizados em si, aqueles dois existiam à parte e, banhando-se no sentimento comum, ungiam-se de força um no outro. Depois, meu pai observou-me, cresceste, estás bonita assim,  de cabelo curto. E eu que tanto porfiara para ouvi-lo gabar-me os caracóis, apenas consegui um sorriso amarrotado e sem gozo, de súbito envergonhada de meus anseios e vaidades.

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