quarta-feira, 1 de março de 2017

No Tempo da Escola

Enquanto meus pais minoravam saudade à sombra vigilante de um guarda, tentei espreitar outros presos, saber quem se sentava em cada cubículo.  Mas fui dissuadida pelo impaciente  de serviço ao parlatório.  Sem complacência, levou-me por um braço até minha mãe, “tome conta dela ou tem a visita acabada”. Amuei encostada às cornucópias escuras, o aviso maternofica aqui sossegada,  a prender-me mais que amarra de navio. Do meu ponto de observação,  depois  de uma mulher que alargava pelo assento em grossura de tronco de árvore, lobriguei, no último banco, a senhora fina,  um tudo nada chegada à frente, desalinhada do enfiamento. Permanecia de joelhos  juntos,  um acutângulo de pernas, pés apoiados de bico, a agulha dos saltos no ar. À tristeza serena de meus  pais, contrapunha certa urgência nervosa, perfil atirado ao vidro e que  as mãos agora sem luvas coadjuvavam em  inércia deslembrada no rebordo fino do balcão, tão esvaídas como pássaros moribundos. Ainda eu as olhava intrigada quando soou o remate da visita relâmpago. Ao sinal do guarda,  meu pai ergueu o corpo num sorriso só de boca e a mão fingiu um até mais ver desprendido. Depois,  deu-nos as costas e saiu. Ficámos frente ao lugar vazio, olhos esparvecidos na porta fechada. Parecíamos repetir o início. Mas, se antes trazíamos esperança, agora convivíamos com impotência dolorida. O corredor siberiano esperava-nos. Deserto. Silencioso. Os passos ecoavam mais lúgubres, arrastavam-se na dor de deixar família em lugar tão funesto. A senhora de salto agulha, antes quase despercebida, dava passinhos desencontrados e de agudo desequilíbrio, em nada semelhantes ao peremptório de saltos da minha professora.  Atenta, a mulher gorda deitou-lhe um braço pelos ombros e ajudou-a a caminhar até ao magote de gente que nos aguardava. Era chegado o tempo de mais uma leva de saudade soletrar corredor fora.
Minha mãe, que antes encabeçara o cortejo, arrastava-se em sapatos de ferro e torpeza de pernas, a mente circunvagando sabe-se lá por onde.  Contente de por uma vez a orientar, fui-a puxando em direcção ao exterior.  Buscámos os pertences que deixáramos e, depois de uma distância triplicada, passámos a porta grande. Cá fora, a agrura de vento e os humores marinhos derramavam-se sem dó mas devolveram-nos cidadania e identidade.

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