segunda-feira, 19 de maio de 2014

World Press Photo

A World Press Photo regressou com as primeiras flores dos jacarandás, quando uma ténue neblina arroxeada romantiza os dias claros da cidade. Assim os vi eu de um autocarro apinhado, nuvens violeta a pairar sobre os troncos negros, requebrados e elegantes braços de árvore. Comovente, a sinuosa  implantação dos troncos a abraçar o espaço. Os jacarandás são superlativo absoluto simples da beleza e não há árvore que mais converse desde a raiz.
 E os turistas assarapantados de calor, a desdenhar de ares condicionados que não condicionam (Talvez sejam autocarros comprados em segunda mão à Alemanha que pouco precisa refrescar-se), palavrões entredentes e os lábios apertados em trejeito de nojo do povo suado e soturno que atravanca os veículos públicos e lhes sofre a modorra; e eles em observação do borbulhar untuoso que depois escorre em bagas morenas. Passeantes ricos(?) em território pobre. Vão vagar por Belém num calor inusitado que os desapodera de roupas, tinge de patusco tom rosa e os leva a tirar óculos escuros e limpar a cara suada, na surpresa limpa da pele branca  a desfazer em líquidas excrescências. Vêm em bando ou a pares e são altos e comedidos no linguajar, excepção feita à tagarelice dos espanhóis. Se vou ao estrangeiro e me perco ou preciso informação, pergunto a alguém. Mas eles não. Eles estudam os mapas, lêem tudo que há para ler nas paragens e viram-nos as costas. Ainda não decidi a origem desta discrepância – decidir é o termo, porque o que alguém decide não tem que ser verdadeiro, é só uma maneira de finalizar um assunto. Parece que os portugueses – ou só eu - acreditam mais na oralidade, preferem confiar nos autóctones. Os estrangeiros não. São autossuficientes, desenvencilham-se sozinhos.

Os espanhóis chegam a Belém e enfileiram buliçosos nos pastéis, a aconselhar-se uns aos outros sobre a conveniência de estar sentado a uma mesa e poder ir ao WC. Quando se decidem pela mesa, a fila, expurgada de salero, perde vigor, emagrece, entristonha. Do outro lado da estrada, o rio esverdeia em jogos de espelho. Ali caminham rosados estrangeiros, botas ao pescoço ligadas por atacadores, longas pernas de cal a esticar na soalheira, passos de molaflex chinelado. Há garotas de calções, deitadas a todo o comprimento dos bancos de jardim à beira rio, tíbias e perónios pendurados na lateral, a ruborizar. Têm olhos fechados e um vinco a avermelhar na linha do decote. São lindas e jovens, em algum lugar têm pai, mãe, família; mas estão ali, sozinhas, a deglutir a beatitude enganadora do sol. Passo por elas num misto de inveja, chega-te para lá, deixa-me deitar aqui só um bocadinho; e de cuidado com as traições solares, olha que logo o escaldão não te deixa dormir. Gozam o dia sem incomodar. Se não fora ocuparem espaço, dir-se-ia que não estavam ali. Sigo para o Museu da Electricidade, edifício que impera sobre o rio. Como é que uma central de produção eléctrica a partir do carvão pode ter aparência tão airosa?! Mas tem. Alguém a pensou também esteticamente, facto bem invulgar em Portugal. A falta de cultura dá nisto: compreensão parcelar do que somos. Parvoíce de julgar que a estética é para quem pode. Que aos pobres só interessa o pão para a boca e um tecto onde dormir. Pretensão de criar estreitezas onde a beleza não caiba. Estupidez de pensar elites a partir do que é de todos e a todos é devido.
(continua)

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