terça-feira, 20 de maio de 2014

World Press Photo

Entro na exposição da World Press Photo e os rostos dos fotojornalistas sorriem quotidianos, contentes da frescura que transpira. Aproveito que não podem retorquir e inquiro-os, olho no olho. Sorrisos e expressões tão normais que ouso a loucura de haver fotos que apeteçam, os olhos cativos e  mendicantes, só mais um bocadinho. Mas não é isso o fotojornalismo.
Fotografias distribuídas por várias categorias que relatam acontecimentos marcantes de 2013: doenças que segregam – fotos de crianças albinas, deficientes mentais e dos maus tratos a que são sujeitos; mortos de guerra – montes de cadáveres alinhados e prontos ao empurrão para a vala comum; as vinganças e sua injustiça cósmica – cadáveres balançando no tecto de um possível armazém, formas de retaliação e aviso dos cartéis da droga;  qualquer desastre nas Filipinas - as pessoas em fuga espavorida, o rosto a contrastar com a placidez rosada  e bem nutrida dos santos que carregam e tentam pôr a salvo; devastações e catástrofes naturais em grande escala; problemas que se perpetuam - a violência sobre as mulheres e o horror das crianças que assistem, ou a condenação à pena de morte. Nas fotos de atletismo move-nos a história documentada de Nadja Casadei, atleta com cancro que não desistiu das provas e foi fotografada a competir e na quimioterapia. E tantos outros temas.
De entre as fotos, três permaneceram-me. A primeira foi tirada durante as cerimónias fúnebres de Nelson Mandela e intitula-se, Farewell Mandela. É um retrato de grandes dimensões e mostra uma rapariga negra, muito bonita, após lhe ter sido negada a entrada na sala em que se encontrava o corpo de Mandela; esse era o terceiro e último dia para o povo prestar homenagem ao líder. A tristeza feita cansaço desanimado ressalta sobre o terço branco que traz ao pescoço e cuja cruz leva aos lábios; apetece passar-lhe a mão sobre o cabelo e dizer uma banalidade como, deixa lá, o que conta é a intenção. A segunda foto intitula-se Ich bin Waldviertel e mostra a vida de duas irmãs (7 e 9 anos) numa aldeia isolada da Austria, Waldviertel, com 170 habitantes. Na verdade há uma série de fotos das manas e a mais velha parece, em algumas, a versão infantil da Lolita do  filme. Do corpo seminu não se desprende apenas infância, há uma coquetterie meia pose provocatória, na forma como se deixa fotografar. Ou eu a vi assim. A terceira foto surgiu-me no conjunto das que mostram como vive quem se afasta da sociedade. Reparei numa casa a ocupar uma gruta na rocha. Primário. Mas somos animais muito domésticos, a gruta tem uma janela com cortinas. Onde quer que estejamos queremos fazer nosso o espaço. E o que sabemos de fazer nossas as pedras é talvez dar-lhes uma janela e cortinado. Quem sabe, há uma mulher por detrás e aquela seja a sua casa. Devaneio, a série de fotos cinge-se a elementos masculinos e fala sobre eremitas.  Homens. Ainda assim, uma janela com cortinas. Virada à rocha. Para ver nada. “Home”.

Era já a tardinha quando saí. Os turistas calados, aos magotes nas paragens a sobressair entre crianças de mochila às costas que relatavam o dia ao cansaço das mães. E, no suor de sol em monte, só eles sorriam entre si, religados em ternura viva.

Sem comentários:

Enviar um comentário