domingo, 25 de maio de 2014

"O Enigma"

19 de Setembro de 2012

Vieira da Silva no Museu da EDP, Porto. A exposição  inicia com fotos que lhe traçam o curso do corpo, e onde ela surge sucessiva, o olhar de pássaro a alargar no inexplicável. Fica-nos o espanto em que os olhos flutuam, como se a realidade uma coisa grande demais para a pintora. Entre tanta fotografia, fixei uma do casal. Arpad e Vieira da Silva estão juntos no sofá, o ângulo recto das pernas em paralelo perfeito. Dois velhos quotidianos, se não fora serem eles. E nos corpos sentados uma sintonia de abraço imaterial, estar de dois que são um. Olho-os melhor. A Harmonia entre aqueles dois seres é acerto que transpira sem efusão. Lado a lado, os quatro pés denotam uma paz ainda amorosa.
Pouco entendo da pintura de Vieira da Silva e nunca tinha apreciado “O Enigma”. É um quadro que me fascina, todo construído em quadrados brancos e pretos, que joga tudo na cor e tamanho das formas geométricas. Observado a alguma distância, emerge-lhe uma ave de asa aberta e, contudo, nada nela é de voar, de todos os lados cadeias a seguram, como se lágrimas cristalizadas lhe tolham o vôo e impeçam que se destaque por inteiro. O quadro vive de uma falta de distância entre espaços, origem da imprecisão das imagens e que acorda no observador a radicalidade do insolúvel. Enigma é um nome que lhe assenta.

Desconheço motivos para ter  circunscrito as notas a uma foto e uma pintura. Mas foi assim que encontrei o rascunho, nas costas de um bilhete de comboio, as palavras a esvoaçar em volta dos pequenos círculos que  assinalavam a passagem do revisor.

Sem comentários:

Enviar um comentário