quarta-feira, 3 de junho de 2015

Volantes Que Me Fazem O Ser

Palavra que ainda hoje me intriga o afã das gentes que acorrem aos carrinhos de choque para uma volta gaseada, de encontrões sem destino fixo e com períodos de curral encalacrado, o volante em desespero, a um lado e a outro qual barata tonta. E tudo isto no meio de grande barulho e infalíveis buzinadelas que ainda não entendi se propositadas. Se eu mandasse, não havia uma pista livre mas uma estrada ou similar. Com direcção definida.
Porém, não se pense que deixei de espreitar os bólides de feira, centro de aprendizagem de garotos desmamados. Já frisei que me intrigam. Portanto, surgindo ocasião, investigava o motivo desse gosto apócrifo e denodado à diversão. Sem proximidades indesejadas. Cuidadosamente.
Entretanto, fui crescendo cada vez mais próxima dos gostos de minha mãe e deixando cair feiras, ruído, ajuntamentos. É pena, mas herdei somente os gostos – e sim, também a sensibilidade - que sou repentista e nada comedida no uso do verbo. Estaria na primeira metade dos meus vinte anos quando, no aniversário de uma amiga, aflorei o assunto de ter medo de andar nos carros de choque. Logo ali se fizeram dois pares e combinámos – fui arduamente convencida – ir à feira, que por acaso era vizinha da casa dela, andar nos carrinhos de choque.
Ora eu, como possivelmente mais gente, tendo a ceder lugar a quem o dispute comigo e sou uma pessoa indecisa para tudo que temo. E temia tal viagem. Além disso, o meu parceiro(a), que já nem recordo, não me estofara o medo em confiança. Portanto, à palavra de ordem, “agora”, não fui muito lesta a correr para um carro e deparei-me com o outro par, a minha amiga e o seu fiel amigo, a sentarem-se no carro para onde também eu correra. Sem qualquer intenção de mo cederem. A empurrarem-me dali, vai ver se há outro carro livre. E enquanto os olhava bovina, bem no meio da pista, soou o sinal de começar outra viagem. Palavra que não sei o que aconteceu ao meu par. Mas eu estava corderosamente no meio de uma pista de automóveis que podiam cruzá-la por todo o lugar, o meu vestidinho de flores a agitar folhos e gregas, “cuidado!”. Olhei para os dois lados pejados de  frenesim a motor. Os amigos, indiferentes à minha sorte, tinham colocado o disco na ranhura e desaparecido. O que é que eu podia fazer, pensei enquanto o meu viés de drama antevia pernas e braços partidos ou me esmagava sob um daqueles arremedos de automóvel, uma coisa meio romba e de feira, que nem sequer rodas tem. Subiu-me uma revolta ante um fim tão sem brilho, espaventoso e assistido por uma chusma de mirones deslaçados. Era demasiada falta de qualidade. Revi as minhas opções em fracções de segundo: correr não podia, até porque as minhas pernas têm o péssimo hábito de paralisar nos momentos de stress, deixo mesmo de saber como se anda. Procurei uma saída, mas estava rodeada de carros indiferentes que, ao mínimo movimento, decerto me trucidavam. Portanto, aceitei a fulminante certeza de não conseguir atingir nenhuma das laterais da pista.

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