Todos
temos as nossas pequenas manias de família, pormenores que são laços a segurar
as relações e onde descansamos. Não são fundantes, mas colaboram na
tonalidade própria de cada célula, são a sua clave de sol. Por vezes, ocorre-me
que sou parte dessa clave no meu núcleo familiar. As minhas manas pedem-me
ideias e esperam propostas de refeições, doces e surpresas com o jeito repousado de doente que confia no médico. Pouco discutem o que avento e cumprem
a sua parte de boa mente. E este ano, repetiu-se o ritual no aniversário de meu
pai. Combinámos um jantar surpresa com os netos e avisámos os visados para que
guardassem lugar na agenda – é malta muito preenchida.
Mas a vida – sendo mais justa, as
pessoas – surpreende. Se o mundo físico se enche de imprevistos, os homens são,
felizmente, as criaturas menos sujeitas à fixidez do hábito. O mesmo é dizer,
esperamos neles uma coisa e sai-nos outra. Foi o que sucedeu. Quando liguei de
véspera a tentar saber a que horas começávamos a limpar a casa de meu pai, a
minha irmã, uma pitada de alegria na voz, o pai já limpou a sala; entrei lá e
até cheirava a lixívia, podes ficar descansada. Desligou e fiquei parvamente a
olhar o bocal meditando na atitude de meu pai. Ele bem sabia que eu não deixaria
passar a data. Calculo que, conhecedor da minha vida, tenha querido ajudar. E
gostei tanto. Prefiro pensar que foi este o motivo, serve-me melhor. E acredito
que sim, que talvez o meu pai tenha adivinhado.
O jantar foi-me quase penoso e não consegui o meu
normal. Mas estávamos juntos e é uma alegria e um orgulho olhar os nossos
filhos e sentir que cresceram e têm um querer independente, cada um na sua
forma de estar. E o avô contente deles, os olhos de um a outro, a contar
histórias de um tempo que, felizmente, não conheceram.
O meu pai. Há anos que reitero o meu gosto por ele. Engasga. Atrapalha. Fica com o pigarro preso e os olhos
húmidos. Mas um dia destes respondeu-me. Talvez não repita nunca mais. Ouvi-o pela primeiríssima vez a murmurar, também eu filha, também eu gosto muito
de ti. Calculo os valados que pulou, cabeços sem fim lá por dentro a rangerem, mas conseguiu. E aconteceu numa hora tão certa e
exacta como não há outra.
Ah Beatriz, Beatriz... as coisas que tu escreves!
ResponderEliminarComoves (me)
Bjs
:))
ResponderEliminarbjinho pati