segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Mistérios de "Fazer Anos"

Ao lanche, as minhas irmãs e primo animaram as hostes. Felizes. Contentes de estarem pela primeira vez numa festa de anos, o primo todo pipi com uma camisa nova. Apeteciam os papo-secos com manteiga e o refresco, o pudim instantâneo e uma fatia de bolo azedo. Eu, esperançando na cobertura de chocolate; eles, ignorantes, a desejarem parti-lo. Cantaram-me os parabéns. Apaguei as velas. Tive de partir o bolo. E mortificámos à primeira dentada. Ao invés da minha amiga, os garotos mais novos desataram as matracas e arrematavam o bolo sem peias, a cuspi-lo em papa para dentro das taças vazias do pudim. Envergonhei. 
Depressa esquecemos o desaire e fomos para a rua que, manhãzinha, tinha varrido inteira. Com um pau, traçámos os campos e jogámos ao ringue, objecto precioso porque em borracha verdadeira, eu toda importante para os gaiatos da escola, apalpa lá, apalpa lá; e eles depois do acto, num respeito todo novo, pois não, não é plástico, este bate sem doer e agarra-se tão bem - e volteavam-no entre as mãos a concluir -; macio que nem esponja. E o orgulho expandia e subia-me ao ser.  Esta relíquia viera-me às mãos numa actividade da minha vida de Cruzada, via concurso religioso.
Há males que vêm por bem. Nessa tarde, a falta de pontaria foi-me providencial e contribuíu para o êxito do jogo;  mal se notou a diferença de idades.

Ao jantar, fiz questão de beber pelo copo que a minha amiga ofertara, a espanejar-me na inveja dos miúdos. Eles de mão estendida, deixa-me experimentar, deixa-me experimentar, pego só um bocadinho. E eu a desviá-los decisiva, não. Eles  franzidos de amuo, as mãos paradas, sem gesto, garganeira. A taça era alta e oblonga e repousava sobre o complemento - um pratinho pequeno -, uma linha dourada a contornar-lhes o rebordo. Num dos lados do vaso, espiralava um ramo de flores em amarelo e violeta suave; no outro, brilhava a palavra Amizade, floreada e diagonal, inscrita em coração dourado. Linda. Linda. No dia seguinte, a vaidade do conjunto ofuscava no semi vazio da cristaleira. Rei entre plebeus. E quanta vez passei e me suspendi a olhá-lo gratamente, procurando força na dinâmica do vidro, nas flores que  tão bem casavam, na palavra em harpa. Que a gente quando sofre precisa de beleza no caminho. 

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