Teixeira
de Pascoaes não é poeta que me fale ao ouvido, digamos que lhe leio a crónica melancolia
sem gosto particular. E no entanto julgo-o um vulto português que se salienta no
mundo nacional. Um poeta de Amarante que abraça os seus mas a quem falta
universalidade, o ressalto de génio. Mas sou permeável ao valor e
extensão da sua obra e à transformação cultural que originou no país com a
criação do movimento “Renascença Portuguesa”, dinamizado através da revista A Águia, de que
são cofundadores António Sérgio e Raul Proença. A vida decorreu-lhe, pois, maioritariamente
em solidão, entre leitura e escrita, rodeado pelos montes do Marão, imerso em
sua quinta de família. Solteiro, sem ocupação profissional senão durante dez
anos, e sem prisões ou doçuras e enleios certos de mulher. Se olhamos os escritos
que deixou, salta à vista que não foi apenas mais um poeta. Não. Foi cidadão
empenhado em entender o mundo e a si mesmo, afirmação que se sustenta sobretudo
nos trabalhos de prosa: conferências em que participou e de que também há
notícia, interesse e achegas que trouxe ao conhecimento do peculiar carácter
português na sua componente saudosa. Podemos ou não concordar com o que pensou
e escreveu, mas temos de convir, foi homem que viveu para as letras e deixou obra
feita. A história literária conta e faz-se com ele.
Veio
este preâmbulo a propósito de, ora, se comemorar Pascoaes na Biblioteca Nacional.
É isso, Pascoaes está lá. Em dolorosa incompletude, diga-se. Podemos observá-lo
na caligrafia epistolar, traçada, quem sabe, naquela mesma secretária e cadeira
que têm forma e desenho de sua vontade (o material de escritório tem um quê de
estranho e muito particular). Dentro das vitrines, o desenho aparado de consoantes
aristocratas e de nariz empinado em pose de não me toques estende mãos de
elegância a vogais menorzinhas; são palavras em sobrescritos e folhas de carta que
agudizam sem destino ou destinatário, sujeitas à promíscua curiosidade do
presente. As cartas são de um para um, comunhão de ideias por escrito, coisa
inviolável. E não há pejo de plasmá-las, qualquer as acede. Oh, o injusto peso
da história. É certo, perderam élan, já não são “o que eu escrevo para ti só e
só tu lês”. Estão mais despidas que nudez de parede. São mensagens sem receptor
nem emissor, ossadas relacionais. E
passo por elas contrita e arrependida, sem transcender a leitura de endereços
que me descalçam em subtileza caligráfica.
Pascoaes
surge em fotos amarelecidas de tempo, um tudo nada tristonho. Compenetrado, sério.
Pelas paredes, as suas melhores frases. Ou as que alguém julgou melhores. E nem
um poema inteirinho. Nem uma página de “A arte de ser português”, nem um montinho dos seus
muitos livros de poesia, a sua obra de teatro, as folhas das conferências.
Falta na exposição esse espaço de experiência desvelada ou a desvelar e que é o
que num autor de letras mais interessa. Por ironia, a exposição está dentro de
uma biblioteca nacional. E não tem livros. Não conduz o visitante pela mão até
eles, não o leva a apreciar, folhear, aprender com a obra do autor. Nem um exemplar
da Águia, revista que durou cerca de 20 anos. Dou por mim em dúvida, terei sido
eu que os não vi na exposição?! Terão existido outras exposições da obra e que não vi...Assoberbo, que distracção me comeu os olhos de
ver livros?! Mas, e se eles não estavam mesmo lá...
Pergunto, como é que se expõe um homem de tal
calibre só com cinco a dez frases da sua imensa obra?! Oh, quem tanto pudesse
que fartasse esta gente que monta exposições para brilhar e ser si mesmo o
tempo todo. À sombra do poeta, do ensaísta, do jornalista, do conferencista. Esse.
O que continuou e permanece um ilustre desconhecido.
Ah,
pode alguém dizer-me, atenção! À entrada, na nota de abertura da exposição, a
comissária leu um poema de Pascoaes. Não. Ela fez uso do poema e declamou-se a
si com as palavras dele. Brilhos nela. Dela, a subir a escada do poema. E
curriculum. E influências. E isso. Pascoaes, não o senti.
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