sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Pascoaes na Biblioteca Nacional

Teixeira de Pascoaes não é poeta que me fale ao ouvido, digamos que lhe leio a crónica melancolia sem gosto particular. E no entanto julgo-o um vulto português que se salienta no mundo nacional. Um poeta de Amarante que abraça os seus mas a quem falta universalidade, o ressalto de génio. Mas sou permeável ao valor e extensão da sua obra e à transformação cultural que originou no país com a criação do movimento “Renascença Portuguesa”,  dinamizado através da revista A Águia, de que são cofundadores António Sérgio e Raul Proença. A vida decorreu-lhe, pois, maioritariamente em solidão, entre leitura e escrita, rodeado pelos montes do Marão, imerso em sua quinta de família. Solteiro, sem ocupação profissional senão durante dez anos, e sem prisões ou doçuras e enleios certos de mulher. Se olhamos os escritos que deixou, salta à vista que não foi apenas mais um poeta. Não. Foi cidadão empenhado em entender o mundo e a si mesmo, afirmação que se sustenta sobretudo nos trabalhos de prosa: conferências em que participou e de que também há notícia, interesse e achegas que trouxe ao conhecimento do peculiar carácter português na sua componente saudosa. Podemos ou não concordar com o que pensou e escreveu, mas temos de convir, foi homem que viveu para as letras e deixou obra feita. A história literária conta e faz-se com ele.
Veio este preâmbulo a propósito de, ora, se comemorar Pascoaes na Biblioteca Nacional. É isso, Pascoaes está lá. Em dolorosa incompletude, diga-se. Podemos observá-lo na caligrafia epistolar, traçada, quem sabe, naquela mesma secretária e cadeira que têm forma e desenho de sua vontade (o material de escritório tem um quê de estranho e muito particular). Dentro das vitrines, o desenho aparado de consoantes aristocratas e de nariz empinado em pose de não me toques estende mãos de elegância a vogais menorzinhas; são palavras em sobrescritos e folhas de carta que agudizam sem destino ou destinatário, sujeitas à promíscua curiosidade do presente. As cartas são de um para um, comunhão de ideias por escrito, coisa inviolável. E não há pejo de plasmá-las, qualquer as acede. Oh, o injusto peso da história. É certo, perderam élan, já não são “o que eu escrevo para ti só e só tu lês”. Estão mais despidas que nudez de parede. São mensagens sem receptor nem emissor,  ossadas relacionais. E passo por elas contrita e arrependida, sem transcender a leitura de endereços que me descalçam em subtileza caligráfica.
Pascoaes surge em fotos amarelecidas de tempo, um tudo nada tristonho. Compenetrado, sério. Pelas paredes, as suas melhores frases. Ou as que alguém julgou melhores. E nem um poema inteirinho. Nem uma página de “A arte de  ser português”, nem um montinho dos seus muitos livros de poesia, a sua obra de teatro, as folhas das conferências. Falta na exposição esse espaço de experiência desvelada ou a desvelar e que é o que num autor de letras mais interessa. Por ironia, a exposição está dentro de uma biblioteca nacional. E não tem livros. Não conduz o visitante pela mão até eles, não o leva a apreciar, folhear, aprender com a obra do autor. Nem um exemplar da Águia, revista que durou cerca de 20 anos. Dou por mim em dúvida, terei sido eu que os não vi na exposição?! Terão existido outras exposições da obra e que não vi...Assoberbo, que distracção me comeu os olhos de ver livros?! Mas, e se eles não estavam mesmo lá...
Pergunto,  como é que se expõe um homem de tal calibre só com cinco a dez frases da sua imensa obra?! Oh, quem tanto pudesse que fartasse esta gente que monta exposições para brilhar e ser si mesmo o tempo todo. À sombra do poeta, do ensaísta, do jornalista, do conferencista. Esse. O que continuou e permanece um ilustre desconhecido.

Ah, pode alguém dizer-me, atenção! À entrada, na nota de abertura da exposição, a comissária leu um poema de Pascoaes. Não. Ela fez uso do poema e declamou-se a si com as palavras dele. Brilhos nela. Dela, a subir a escada do poema. E curriculum. E influências. E isso. Pascoaes, não o senti.

Sem comentários:

Enviar um comentário