Por
vezes solta-se-me a corda que ata um monte de queixas de estimação e desato aos
soluços verbais. Não amofine o leitor, é função higiénica e toda mental. Não
usa lenços de papel, não funga. Mas vinca. Aferra-me o plissado na carcaça. É
pena que não faça moda, o desenho tomou algum interesse. Em tais momentos, o meticuloso mundo das
coisas penetra-me em tão desdenhosa mudez que um mindinho de confidência me soa a
delação. Atardo-me pois nesse pasmo amniótico
e de pouco crédito que rodeia os objectos e rói a paciência comum. Quem sabe um dia acordo e sou uma jarra
plantada sobre um móvel a fazer cócegas a um naperon. Ou um canapé que se
expande voluptuoso, vem cá (seduz-me ser canapé). Ou um bengaleiro (um bengaleiro
de madeira a que nascem folhas e flores, alongo os braços por dentro dos
casacos e dos chapéus e boinas, e crio mãos que entregam às pessoas o que me deram
a guardar).
Enquanto
não chega imobilidade que nos irmane, a rigidez atenta das coisas aponta-me olhos sérios em cara inteira. Coisas
que eu sobrelotei de outras coisas sem
uma delicadeza a interrogar, posso?; móveis que envelheci de papeis e fotos,
sorrisos que não existem ou são outros, petrificados e cheios de dentes a cariar
por dentro dos vidros. De súbito, soam-me todos dentro da cabeça, invadem-me de
queixas. A estante desfigura de livros, o que eu aguento de enciclopédias e
como me pesam as histórias dos romances, carrego o mundo que existe e mais o
que os escritores inventaram, aquilo é gente que escreve histórias sem medida e não avalia o peso das
palavras, e tantas há que me pesam e doem, e gritam nas prateleiras que é um
dó. Tu porque as compras se as lês uma vez só e a mim me pesam toda uma vida?! As
cadeiras de braços choramingam a sacudir o torpor de anos, estamos dormentes,
fartas desta posição e do carrêgo e moíção de tanto osso humano; queremos pôr
as mãos nos bolsos e deixá-las lá, faz-nos esta mercê. Perfilados na sua prateleira, os
cds irresolutos, já não nos ligas, qualquer dia saímos por aí a tocar e cantar
para quem nos queira ouvir. E até a janela risonha, amua queixosa, não
sou a mesma, já não gostas de mim, há quanto tempo não me abres ou
floresces...qualquer dia caio do cortinado de tanta tristeza em mim haver.
E
eu que vinha de corda lassa, pronta a deixar cair de cabeça uma data de tristementes,
dou com este sururu. E está visto que não posso. Não vou agora deitar-me a enfastiar
ainda mais a mobília. Talvez um chá príncipe os acomode. Ou um sol de dia
inteiro temperado com atenção.
Vamos
ver.
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