domingo, 15 de maio de 2016

Os Modernaços são uma Lástima

Admito: por vezes sou atacada por uma virulência de nulidade.  Não é uma anulação total, mas é sem dúvida parcial (como os eclipses). O mesmo é dizer, continuo existindo, mas não faço coisa que se aproveite. Contudo, esta obnubilação parcial, tão enganadora como um quarto minguante, nasce de um impulso para a escrita. E hoje aconteceu-me. Em revistas semanais sou adepta confessa de certa evidência clean, da discrição de cores, de holofotes apenas no escrito. Mas hoje os olhos têm de ferir-se nos amarelos e laranjas, nos textos a azul (muito mais difíceis de ler; será que a ideia é não ler?!), pretensa vitalidade que descamba em evidente mau gosto. Bom. O que me chamou a atenção foi mesmo um texto a azul que precisei aproximar da janela para leitura integral. O título, convenhamos, sem ser de todo original, é apelativo, “O meu amor é um robot”. Havia uma canção dos extintos  Salada de Frutas que se chamava “Olh’ó robot”. Mas  só considerava o andróide, não havia amor. E no entanto já vi um filme interessante com um escritor de cartas, profissão do futuro (nasci demasiado cedo, está visto), apaixonadíssimo por um robot todo voz e sugestão; e que, caldo dos caldos, acaba por deixá-lo e partir para outra relação. Não esquecer: o robot é só voz, mas vive com ele a horas certas: responde-lhe, sugere, conversa. Insinua-se, vá. Eu que sou mulher achei o filme delirantemente íntimo. E agora leio em letras azuis e difíceis que a ciência e a indústria robótica estão engalanadas porque vendem caro umas meninas biónicas com nome abusado de x: sexbot roxxxy. Pois esta garota supersónica está à venda online. É cara, mas como deve sobrar andróide, não há referência a desgaste de uso, e está à disposição sem dores de cabeça ou mazelas que se conheçam, compensa (?). E depois há um escritor que fantasiou num romance as futuras interacções privadas com robots e anda eufórico com a premonição. E gente entendida que refere que as pessoas se excitam na mesma a tocar as partes íntimas das garotas artificiais. Ora bolas. Então mas eu sou maluca, ou esta gente é que não é humana?!  O senso comum sabe que as pessoas se excitam só a pensar; qual é a descoberta se isso acontece também quando tocam algo parecido, ou mesmo muito igual a uma mulher?!
Ah! Pronto. Está resolvido o problema dos homens execráveis e que toda a mulher delega; os de exagerada timidez e que não se mexem para nada, ficam a ver passar o cortejo toda a vida; os da taradice e perversão sexual; e outros que não sei nem me apetece saber, mas existem. Dizia o Álvaro Cunhal e eu apoio, “Olhe que não, olhe que não”.
Não queria dar cabo da felicidade do escritor David Levy e mais da sua bola de cristal; nem da indústria com suas esperanças palermas que cirandam nas letrinhas cor de céu. Mas esta gente vai acabar por enlouquecer-nos. Ai vai, vai. Acham que há poucos problemas na cabeça das pessoas, estão tratando de acabidar mais uns. Qual será o parvalhão do homem que prefere uma boneca?!  Como o que é que lhe falta. Tudo. TUDINHO. Uma boneca, cuja pele artificial consta de polímeros flexíveis e outras manigâncias, é ainda e sempre uma coisa. Ora o mais primário encontro com o outro, é com um eu outro. Não é com um objecto. Estaremos a prescindir do confronto que nos é tão salutar. E depois, não há depois. Um boneco é coisa sem futuro, não pode dar a satisfação, o enorme prazer, de estar com alguém, de ter aspirações comuns, lutar pelas mesmas coisas, viver o dia a dia a seu lado no bem e no mal, no assim assim, com o seu cheiro e as suas manias, com todo o caudal de rio sem fim à vista que uma pessoa comporta e nem sempre se aguenta, mas pertence. Não entendo. Juro que não me entra.

Só me faltava esta. Francamente! Sempre há gente muito obtusa.

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