terça-feira, 31 de maio de 2016

Olívia

Quanto tempo!  Penso-te a vaguear nessas ruas sem poeira. Ou talvez nem haja ruas e tenhas perdido a alma vagabunda, tingida agora no ópio da indiferença. Tanto mundo de permeio entre vida e morte. A vida compraz-se no acontecer de que a morte se guarda. Uma é ebulição efervescente e faz-se pública; a outra concentra-se em frieza jacente que incomoda e desinteressa à euforia das horas.  
Mas deixemos as minhas reflexões sempre a chinelar que não foi o que me trouxe. Conheces-me. Sabes que não aprecio grupos grandes, que gosto ou já me habituei a estar só, que o silêncio me faz bem à cabeça e lhe dou hoje outro quilate. E também sabes que se o tempo passa e me deixo ficar quietamente, começa aí um período de urgência de escrita e voz. Que ainda não chegou. Mas quem sabe se aproxima. À tua sombra.
Por vezes penso em ti – muitas vezes. Não em ti morta e amorfa. Em ti a olhares-me, interessada no que digo. Ou entusiasta, contando as tuas idas e vindas, os desaires, as pequenas alegrias da profissão. Os teus desconcertos que são desconcertos de toda a gente, mas só em ti têm halo de verdade intransponível. Se fosses objecto, por certo serias lâmina de arado. Revejo as tuas revoltas de corpo inteiro, uma força de ânimo que é lâmina onde os torrões são manteiga. E ainda assim a morte te levou e quando te escrevo é comigo que falo. Escrevo de mim para mim em monólogo interminável. Tão estúpido. Mas não aguento pensar que é inútil.
Talvez tu não me existas. Talvez só eu me exista. Mas existo por nós duas. Podes crer.

Fica bem. E guarda-me. Guarda-me sempre.

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