Quanto
tempo! Penso-te a vaguear nessas ruas
sem poeira. Ou talvez nem haja ruas e tenhas perdido a alma vagabunda, tingida
agora no ópio da indiferença. Tanto mundo de permeio entre vida e morte. A vida
compraz-se no acontecer de que a morte se guarda. Uma é ebulição efervescente e
faz-se pública; a outra concentra-se em frieza jacente que incomoda e
desinteressa à euforia das horas.
Mas
deixemos as minhas reflexões sempre a chinelar que não foi o que me trouxe.
Conheces-me. Sabes que não aprecio grupos grandes, que gosto ou já me habituei
a estar só, que o silêncio me faz bem à cabeça e lhe dou hoje outro quilate. E
também sabes que se o tempo passa e me deixo ficar quietamente, começa aí um
período de urgência de escrita e voz. Que ainda não chegou. Mas quem sabe se
aproxima. À tua sombra.
Por
vezes penso em ti – muitas vezes. Não em ti morta e amorfa. Em ti a olhares-me,
interessada no que digo. Ou entusiasta, contando as tuas idas e vindas, os
desaires, as pequenas alegrias da profissão. Os teus desconcertos que são
desconcertos de toda a gente, mas só em ti têm halo de verdade intransponível.
Se fosses objecto, por certo serias lâmina de arado. Revejo as tuas revoltas de
corpo inteiro, uma força de ânimo que é lâmina onde os torrões são manteiga. E
ainda assim a morte te levou e quando te escrevo é comigo que falo. Escrevo de
mim para mim em monólogo interminável. Tão estúpido. Mas não aguento pensar que
é inútil.
Talvez
tu não me existas. Talvez só eu me exista. Mas existo por nós duas. Podes crer.
Fica
bem. E guarda-me. Guarda-me sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário