segunda-feira, 27 de março de 2017

Margarida Vale de Gato

Um destes dias, falaram-me na Feira do Livro de Leipzig (Leipziger Buchmesse),  cidade do leste alemão que organiza um festival da literatura jovem alemã. Ali se cruzam leitores de todas as gerações e escritores de várias nacionalidades com obra representativa das novidades literárias dos países de origem. Entretanto, soube que o festival Leipzig lê é o maior festival de leitura da Europa e, pelos vistos, bastante dinâmico, dado o número de eventos (ronda os 3.400) a ocorrer nos dias e no recinto da Feira (este ano entre 23 e 26 de Março), e disseminados pela cidade: livrarias, cafés, bibliotecas, bares, estações de comboio, lojas de lingerie. Ideia interessante. De seguida, investiguei quem nos representou este ano.
            Estava eu satisfazendo a curiosidade quando, de entre os oito escritores nacionais convidados, deparei com um nome que me arrebitou a orelha: Margarida Vale de Gato. É que, se Margarida é nome floral, bonito e comum, Vale de Gato é apelido pouco usual. Saltei a informar-me a preceito na milagrosa net. Vi-lhe o sorriso bonito e soube que sim, nasceu em Vendas Novas (1973) – pertence às famílias Vale de Gato e Oliveira. De seu nome, Margarida Isabel de Oliveira Vale de Gato. Pois esta senhora de riso aberto – nas fotos –, a avaliar pelo currículo, é mulher de muita actividade, daquelas que arregaçam mangas e vão à luta; e gosta de deixar obra asseada. 
Margarida gasta a vida à volta das palavras. É um amor que lhe entrou e não debota nas soalheiras da vida. Senão, repare-se: é professora de Tradução Literária na Faculdade de Letras de Lisboa, é poeta, contista e tradutora (traduziu, de inglês e francês para português, textos literários de diversos autores, como Lewis Carroll, Christina Rossetti, Oscar Wilde, W. B. Yeats, Edgar Allan Poe, Herman Melville, Henry James; e mais). E ainda tem dois livros de poesia publicados, Mulher ao Mar (2010) que foi reeditado com o nome Mulher ao Mar Retorna (2013); e Lançamento (2016).
Recapitulando: a poeta é vendasnovense por nascimento e família. Hélas, que a terra dá bons frutos e nem sempre se conhecem. Pois, muito prazer, Margarida. Saiba que fiquei até um bocadinho orgulhosa. Uma poeta nascida neste Alentejo de estios sufocantes  e transidas invernias,  convidada e publicitada na Feira do Livro de Leipzig. Cai bem no espírito de pertença do alentejo profundo. Amanteiga-nos o âmago. E acredito em si para dar boa imagem dos novos poetas portugueses. O nosso pequeno rectângulo extravasa de gente que escreve (certo, nem todos os que escrevem são escritores), mas ser um dos oito convidados em Leipzig,  é obra. Parabéns!

Avaliar – e também amar - o poeta é lê-lo. Relê-lo quanto se queira e precise. Em voz alta, que a poesia é oral como afirmava Sophia.  É na modulação balanceada das palavras que a poesia cresce e se conhece. E reconhece.

A IMAGEM ROMÂNTICA

Há outras coisas, Horácio
E a tua filosofia é barata
Na verdade não custa fixar
As coisas ideais à distância:
Terás vista panorâmica
Mas sempre a visão é polémica

Gostava que alguém me mostrasse,
 mas não terei nunca garantia
de que envelhecer faça sentido.

As pessoas prostram-se, queremos que nos digam
porquê não haver luz nos seus rostos. Crestam
os cravos, antes rubros. Não há modo
de saber se as *monarcas
têm memórias arenosas de lagarta.
tudo sucede dentro de estanques
casulos, a seda é densa,
não se faz ideia
se isto acaba. Estrelas foscas
correm. Pessoas morrem. A vida
é breve. Impávido o
real se esquiva a designar.
Comparar é colidir: o verbo
Talvez nos leve
a mais nenhum sinal

*monarca - borboleta

Mulher ao Mar (2010)

2 comentários:

  1. Poema bonito. E orgulho alentejano. Também eu, que não sou alentejana nem de lado nenhum, sinto orgulho. Sinto orgulho, principalmente desta minha amiga alentejana que escreve anónima neste blogue!

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  2. Diz um anónimo para o outro, isto é que vai aqui um anonimato!
    És uma querida, és uma querida, és uma querida. Assim. Três vezes, como Pedro fez a Cristo. Só que a afirmar:)

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