terça-feira, 2 de junho de 2015

29 de Maio de 2015

Todos temos as nossas pequenas manias de família, pormenores que são laços a segurar as relações e onde descansamos. Não são fundantes, mas colaboram na tonalidade própria de cada célula, são a sua clave de sol. Por vezes, ocorre-me que sou parte dessa clave no meu núcleo familiar. As minhas manas pedem-me ideias e esperam propostas de refeições, doces e surpresas com o jeito repousado de doente que confia no médico. Pouco discutem o que avento e cumprem a sua parte de boa mente. E este ano, repetiu-se o ritual no aniversário de meu pai. Combinámos um jantar surpresa com os netos e avisámos os visados para que guardassem lugar na agenda – é malta muito preenchida.
            Mas a vida – sendo mais justa, as pessoas – surpreende. Se o mundo físico se enche de imprevistos, os homens são, felizmente, as criaturas menos sujeitas à fixidez do hábito. O mesmo é dizer, esperamos neles uma coisa e sai-nos outra. Foi o que sucedeu. Quando liguei de véspera a tentar saber a que horas começávamos a limpar a casa de meu pai, a minha irmã, uma pitada de alegria na voz, o pai já limpou a sala; entrei lá e até cheirava a lixívia, podes ficar descansada. Desligou e fiquei parvamente a olhar o bocal meditando na atitude de meu pai. Ele bem sabia que eu não deixaria passar a data. Calculo que, conhecedor da minha vida, tenha querido ajudar. E gostei tanto. Prefiro pensar que foi este o motivo, serve-me melhor. E acredito que sim, que talvez o meu pai tenha adivinhado.
 O jantar foi-me quase penoso e não consegui o meu normal. Mas estávamos juntos e é uma alegria e um orgulho olhar os nossos filhos e sentir que cresceram e têm um querer independente, cada um na sua forma de estar. E o avô contente deles, os olhos de um a outro, a contar histórias de um tempo que, felizmente, não conheceram.

            O meu pai. Há anos que reitero o meu gosto por ele. Engasga. Atrapalha. Fica com o pigarro preso e os olhos húmidos. Mas um dia destes respondeu-me. Talvez não repita nunca mais. Ouvi-o pela primeiríssima vez a murmurar, também eu filha, também eu gosto muito de ti. Calculo os valados que pulou, cabeços sem fim lá por dentro a rangerem, mas conseguiu. E aconteceu numa hora tão certa e exacta como não há outra.

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