Aprecio
casas vazias. Habitadas, enchem-se de sinais extra e atafulham de objectos que,
quase sempre, lhes disfarçam o ser. Crivamo-las de humanidade excedentária. Por
vezes, alaga-me a triste sensação de exceder algumas divisões das casas se me
expandir. Imagino-me em preguiça horizontal e logo os cabelos a escorrerem das
janelas, pés no corredor desde a canela, uma parafernália de objectos amolgados
a gemer, safa, quando é que este peso nos sai de cima. Porque nós entramos de
um tamanho e lá dentro podemos – ou não – crescer. Há casas que me comprimem,
onde o meu estar se resume ao esforço de acatitar células, os braços um para o
outro, não estiques, fica quietinho.
Ao invés, casas vazias são um mar de
possibilidades e mesmo os sentimentos maiores ali se desatam levemente. Não sei
por que penso assim, se os sentimentos moram nas pessoas e ninguém prefere viver
em casas despidas. Tão pouco eu. Mas é verdade que penso. Tal idiossincrasia pessoal
bastaria para me agradar a Casa de Serralves. Mas há mais. Deambulámos parque fora
à hora da calma, por carreiros breves e
alamedas frescas, a luz coada por um véu verdurengo. Uma imensa clareira e nós de olhos obtusos a
rasar a inesperada e exacta geometria do jardim que se repete em vastidão, perdendo-se
em fundo arbóreo. Perscrutamos o horizonte e fica-nos a ilusão de que, no para lá do que a vista alcança,
se prolonga a floresta e não há o casario e o mar. Depois viramo-nos e a casa, vestido cor-de-rosa, acena-nos. Subimos por entre figuras geométricas desenhadas
a ponto-de-arbusto e relva, circundadas por caminhos de terra vermelha.
Percorremos as sequências de degraus que redesenham declives idênticos e por
medida, a água dos lagos amenizando repetições. É uma beleza de régua e
esquadro que Jacques Gréber desenhou, posta a uso para nosso recreio.
Circundamos-lhe o vestido e entramos. Recebe-nos num abraço de frescura
clara. Piso-a a reconhecer a pedra de liós que me remata janelas e é aqui de
primeira água e por todo o lugar. Encanto nos desenhos do soalho de algumas
salas, na pedra dos lavatórios de casa de banho; nas banheiras e roupeiros; no sistema
de aquecimento; em pormenores de tecto em esquadria e numa claraboia que exalta
o ambiente. Parece que o segundo proprietário leiloou a mobília considerando
que o seu compromisso visava apenas a manutenção do espaço físico. Mas como é
agradável assim nuazinha, com suas delicadezas femininas iluminadas e ao ar, Eva aristocrática e um tudo nada vaidosa, amplas paredes de vidro cativas do jardim. E eu refém de suas cores claras e do instante chamado de salas e salões virados à luz e ao verde.
Que terá levado Carlos Cabral a quase não a habitar?!...
Embeveci no portão artístico, que
divide o espaço comum da casa do espaço reservado. Podem ser as figuras
masculina e feminina; pode que haja nelas um sinuoso que me convém ao olhar;
pode que a minha atenção releve este tipo de trabalhos. Seja qual for o motivo,
o seu criador está de parabéns: parabéns, Lalique.
Dizem-me que é espaço de exposições.
Peço desculpa às exposições, mas acho mal-empregado. Também vi fotos de uma
festa de casamento. E ainda encontrei maior desperdício de tanto donaire. Li
mesmo uma notícia – talvez num blogue – com proposta adjacente: por que não
tentar mobilá-la como já foi?!
E eu que gostei dela em pelo e sem
lipoaspirações, pergunto-me se será a mesma coisa, se vestida não me assusta com
seus arrebiques de grandeza. Mas seria boa forma para avaliar da sua relação
com Carlos Cabral… isso sim.
Seja como for, sou sua imodesta fã.
Ponto.
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