quinta-feira, 23 de julho de 2015

Na Livraria Lello

A livraria Lello é a filigrana do Porto monumental. Basta cruzar-lhe a porta para constatar o trabalho delicado e de pormenor neste habitáculo de livros a que o neogótico dá o tom. Bordada a vários fios, impõe-se ao olhar em primores de madeira lavrada  que lhe criam dois pisos abertos  mediados, mais ou menos a meio, pela originalidade da escadaria que é, ela mesma, com sua ponte dos desejos a ligar as duas laterais superiores e seu encantatório de degraus em meia lua vermelha,  obra bem casada com candeeiros e vitrais. Ali, na rua das Carmelitas, os livros não são o trunfo. Que eles estão lá, por todo o lugar e a forrar paredes também elas recortadas em madeira fina de redondos delicados. Senhores livreiros, peço desculpa, os livros merecem esse templo de bom gosto e nada há que melhor lhes sirva, estão a contento. Mas dentro desses armários poderiam estar cântaros de barro, panelas de ferro, foices e outras banais ferramentas de trabalho. Que a beleza continuaria no lugar. Digna de ser vista. Meditada. Dá-la-íamos por mal empregue em objectos tão de uso, mas sobressaltava-nos a mesmíssima rara beleza. Esta atitude é o mínimo de respeito que devemos a Francisco José Esteves, engenheiro que a concebeu; e aos Lellos, irmãos proprietários que a custearam (mea culpa, elidi os demais). Em nome dos livros e dos olhos que por ela se derramaram cativos (ali passam muitos olhos fingidores, que não se apegam), muito obrigada.

Entramos e o prazer instala-se no olhar.  Ressaltam-nos as minudências em ogiva do corrimão, encimando a elegância fininha de colunas a fingir, delicadeza de ossinhos de bebé a repetir-se na ponte que curva insinuante, qual amurada de barco, e se continua em todo o piso superior. Que aquela ponte dos desejos é um inexplicável, tem balanço de gondola.  E se o tecto do rés-do-chão  – que é o avesso da escadaria e do piso superior – nos pareceu renda de bilros em trabalhada madeira, o do piso superior é a maravilha de um vitral a azular a todo o comprimento. E a divisa da livraria posta ali, em beleza luminosa, “Decus in Labore”. E ficaria eu de nariz no ar, não fora ter parado a enlanguescer na parede do fundo, tão bonitinha e preterida pelos fotógrafos de esquina. Aquela janela rasgada à rua é de uma elegância orgânica, cada elemento nasceu potência que ali deveio acto e chegou à sua natureza. Seguindo Aristóteles, atingiu a perfeição possível. Admirá-la, é recreio dos olhos.

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