Regresso é um termo ambíguo, meio impossível. Não parece. Mas é. Em rigor,
não se pode regressar. Somos outros dos que partimos e tudo que deixámos também
mudou. Suponho que seja esse susto de transformação que por vezes nos tolhe o
espírito na volta. É certo, as plantas crescem, as casas continuam em agradável
compasso aguardando-nos os pés, os animais sentem-nos de olfacto, a escancarar
janelas de saudade risonha. Mas as pessoas, deuses do olimpo, como as
encontraremos?! Sim, que as pessoas são, em grande medida, imprevisíveis. Ou
previsíveis em demasia. Ou desaparecem. Ou.
E
depois, o que acontece no dia da partida repete na volta: estamos e não
estamos, a alma já a futurar. Em férias, anseio partidas, mas desgosto do
retorno. Houve mesmo um tempo em que, no términus, adquiria tal
força de suspiros ao longo da viagem, que até a mim arreliava a agastura
(designação popular para um shake de angústia e amargura;
vocábulo também utilizado no sentido de problemático, que provoca moição de
cabeça).
No entanto, o domingo amanheceu-nos quase
idênticas e o pequeno-almoço ainda nos reteve, por curto espaço, na esfera de
passeio. Mas, logo de seguida, as malas. Um olho clínico a interrogar perdidos
e o escrutínio de armários e gavetas. E a “nossa casinha” a arejar de nós,
despudorada. Mal agradecida!
Andámo-nos despedindo de ruas e praças
desde o alto de um autocarro. E subimos a mirar a Sé. Não animei dentro daquela
igreja alta, toda desenhada em interiores de sombra; lembrou-me leis clericais
e faces crispadas em ritos de misericórdia opaca, tingidos, aqui e ali, de mesquinhez vingativa. Ali ao lado,
procurámos a Casa Guerra Junqueiro que almoçava em seu segredo fechado e não nos recebeu. Recolhido na quietude dos séculos, o cónego da Sé - doutor Domingos Barbosa -, era o anjo bom a agigantar no recanto da entrada e a guardá-la de perigos e malvadez, com olhos de ver Deus em todas as coisas. Apreçados do pátio
exterior, pareceu-nos que os cónegos seriam pessoas de viver com desafogo.
Entrou-me pena de não observar a casa a contar-lhe as partes, divisão a
divisão; não lhe correr corredores cruzando alamares de porta; em suma, não lhe respirar o aroma. Contudo, o poeta não lhe pisou o chão como seu, e o nome lhe
vem da boa vontade e amor filial de Isabel Guerra Junqueiro que ali lhe guardou o
espólio.
Somámos esta
desventura ao Majestic fechado e a Rui Veloso a cantar nos
Aliados enquanto esterifadas, espapaçávamos os restos mortais camas fora, uns bocadinhos de nada a escorrer no tapete, então, não cabemos, ora esta. Isto, depois da necessária "francesinha" no Santiago. Desconheço o motivo de
chamar-lhe Francesinha, mas faz parte da ementa do turista. Porém, se falamos
dos éclairs da Quinta do Paço, o meu coração todo neles
se pendura. Ó músculo desgraçado, talhado em manteiga fresca.
E depois veio o resto
da viagem. Sem história nem porque não. Sem deusas esfíngicas e belezas
trespassadas. Apenas um caminho corrido. Só.
Sem comentários:
Enviar um comentário