domingo, 27 de agosto de 2017

Imagens e Percepções

No verão, as cidades tufam suas praças como roda de saia. Umas exibem-nas em plissado cetinoso, outras franzem singelas, e as mais estendem-se em metros e metros  de esplendor, projecto de alta arquitectura. As praças das cidades falam por elas. E são um Terreiro do Paço pequeno e airoso, com Tejo ao fundo; um franzido agradável que cai bem e tem história, a gente a imaginar a defenestração de um Miguel de mau presságio que se estatela no chão.
Na Polónia, como em países que lhe são próximos, edifícios e praças são outros, mais coloridos e demorados no pormenor. Semeados de flores que amiudam aqui e ali em ninhada de arco íris. Prendemo-nos ao triângulo das frontarias, à cor conjugada das paredes, à beleza inclinada e pródiga dos telhados. E a mente voa até às mãos de labor. As mãos que criaram a efeméride que perdura exposta aos elementos, aqui uma estátua, ali uma janela, além uma sugestão de onda. Nestes edifícios, os telhados excedem-se, não são apenas a tampa da casa. Existem por si e não se restringem à função de fechamento e parte da casa que recebe o que as nuvens deixam cair. Por cá, há quem meça o valor de uma casa pelo número de divisões; mas talvez nesta parte da Europa ele dependa da ornamentação e riqueza dos telhados. É ver o cuidado que põem nos frisos e ornamentos, ele são esculturas, janelas, torres e zimbórios, boleados em degrau. É como se as casas enlouqueçam pelo telhado. Erguem-se austeras e regulares, mas, chegadas lá acima, todas se envaidecem, perdem siso e contenção. Espanejam de lantejoulas, armam-se de importância e olham de alto (altura não lhes falta).
E há as praças vivíssimas, a regurgitar de gente: em fila, o negócio de carruagens e cobiçadas condutoras de rédea na mão e traje rigoroso, a sua delicadeza luzindo na elegância dos cavalos; os fazedores de bolas de sabão que manejam o arco e atraem a alegria de crianças saltadoras; os talentos de esquina que tentam a sorte, boné estendido; os vendedores de quiosque e suas matreirices de cordel; a estudante que, na sombra norte da praça, toca violino de olhos fechados, rabo de cavalo a acompanhar-lhe a paixão, o cetim do estojo clamando do solo, reparem-na, é uma artista. E ela empolgada e fora de órbita. Linda por todo o lado.

E à sombra das catedrais, no empedrado das ruas, nos caminhos dos parques, os turistas são mole em movimento, nariz no ar. Velhos e novos; herdeiros e deserdados; conhecedores ou simples curiosos. Enquanto isso, a finesse resguarda-se, abriga-se do sol e observa o espectáculo de outra esfera. Tem pose, sabe estar. Não sua em bica e despreza calores que enrubescem. Bebe sumos, talvez; refresca-se. Ou será um vodka gelado. A firmeza dos empregados desvia turistas de pé descalço e distraídos que assomem a recuar por uma foto. Não. Ali é chão sagrado. Tão perto da praça e da catedral. Tão junto ao Deus que amou todos por igual. E tão longe dos homens comuns e sua febre de vida. Passo e a atenção dos funcionários mede-me a pegada. Dali, miro a praça e apenas sinto o seu tumulto sonoro. Talvez, pela noitinha, haja uma orquestra vestida a preceito, afinada, famosa. Mas perderam para sempre aquele momento de magia poética, a vibração que serpenteava, desde os pés, pelo corpo jovem da violinista e se ouvia em repentes ternos e maviosos. Irreais.

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