Ouvi
há dias uma conversa palerma e bem humorada sobre a independência do Alentejo.
Chegou por graça e arrastamento do referendo escocês. E só podia. Se há gente
que não deseja separações, físicas ou de outra natureza, são os alentejanos. Não
há nada a fazer, nasceram siameses com o resto do mundo, precisam dele. Poderá
alguém afirmar, mas vivem tão isolados, são meios tristes, melancólicos…Bommm…são
meios tristes e melancólicos porque assumem, fingem menos, dão-se ao natural de
serem assim, unos com a paisagem, já que o resto de Portugal faz questão de ser
outra coisa. Conheço mesmo vários alentejanos em fincapé: é condição de
nascimento, não mudam.
A
história de viverem isolados também tem de ser revista: por vezes, vivem
isolados dos humanos; não dos animais, nem das coisas, nem dos elementos. A
alma alentejana é Pan e meia índia, convive irmãmente com o que a rodeia. E vezes
existem em que o interlocutor alentejano é um bem mal empregue ainda que o
próprio não se dê conta do valor e tal questão lhe desinteresse.
E
quem me leia aduz com alguma razão que estou a tomar partido. Ah, pois estou. E
depois?! O mundo treina-nos intensivamente para fazermos escolhas e, ao mínimo
sinal de independência, cai-nos em cima. Assim não vale.
No
entanto, concedo que há questões (im)pertinentes: e o limar de arestas, a mudança
que em nós faz o meio físico e humano, o amor, a amizade e o mais. Ora bolas. Os alentejanos podem ser ingénuos,
mas não são estúpidos. Dizer que não mudam equivale a afirmar que, na sua
essência, a mudança é impossível em qualquer homem; que, como determina o
ditado chinês, quem nasce lagartixa pode ser uma lagartixa soberba, mas nunca
chegará a jacaré (eu diria que nem a lagarto, e que não precisava uma diferença
tão abismal, mas pronto, os chineses só entendiam assim. Se calhar). Por acaso,
ninguém duvida desta verdade de La Palisse à chinesa. Palavra que não entendo a
razão de o saber popular chinês ter mais peso que a sabedoria alentejana. Se um
alentejano o diz a seu modo, está armado em burro que não quer ver, calhau que
não admite desgaste, estêva na serra d’Ossa, e coisas de maior acidente. Mas um
ditado chinês é lei, tem a bênção de Buda, milhares de anos antes de JC – o tempo
de experiência conta muito nestas coisas de ditados populares. Não acho bem. A mente alentejana é tão
vagarosa, por que motivo não há-de isso contar a favor? Não. É tudo anedota,
são vistos como “um pouco retardados”, lentos.
Oh!
Já me desviei. Entusiasmo sempre que embico para a alma alentejana. O que
queria trazer a arejo era a mania das limpezas na cabeça das alentejanas. Sim,
sim, os livros de psicologia têm razão, não é só a cor da papoila ou o cheiro
da alfazema que nascem na mente. A mania de limpar também lá está. Não quero
massacrar nenhuma alentejana, detesto golpes, sangueira e gritaria (elas
esperneiam que se farta por um feridita num dedo, imaginem o resto), mas tenho
certeza de que há-de haver um espaço sem ambivalência para o terrorismo de
limpar. Que des-existe no género masculino.
Vou
limitar-me a uns exemplos, não quero levantar ondas senão terei que limpar e
sou alérgica aos ácaros. Existe de tudo: as mulheres que passam a vida a lavar
as mãos e gostam demais de estar ao tanque; só se sentem bem a mexer na água
que mudam muita vez porque sempre lhes parece suja. Este tipo endoidece por uma
nódoa, esgatanha-se a esfregar, tem as gavetas impecáveis e seleciona as peças por
tamanhos e cores. Actualmente, sem tanques de lavar, pelam-se por máquinas com variados programas e gostam de apregoar quantas fazem por semana como se fora assunto de interesse prioritário. Aprende-se muito com elas, mas são ligeiramente paranóicas.
Há
também as que na limpeza de fim-de-semana passam tudo a pente fino, descascam a
sapateira e lavam os sapatos por dentro e por fora (não deve ser calçado do
Lidl nem da seaside, senão não se aguentava ao banho semanal). Têm casas muito
vaporosas e refulgentes (areiam tudo), a mania de andar descalças em casa e
almoçam e jantam num anexo. Têm um bocadinho de vocação de capacho, desgosto.
E
depois há mais dois tipos extremos: a que limpa constantemente sem nunca sujar
o que limpa. É a mulher-déspota-vítima. Tem uma casa museu que não usa nem
deixa usar; nunca se senta nos sofás da sala (se se sentar é sobre um
plástico); pouco abre as janelas; possui os electrodomésticos último grito sem
experimentar; vive e dorme no anexo; não cozinha determinados pratos porque
fazem fumo e sujam; não acende nunca a lareira porque faz cinza…É a mais
perigosa. A inimiga número um da humanidade. Gente que me ouvis, é de fugir;
fazem toda a gente infeliz incluindo elas mesmas. Quando os médicos resolverem
começar a tratar seriamente das mulheres vão autopsiar este género e verificar
que tem uma avaria mental grave. Por
enquanto dão pelo confortável nome de psicóticas. Mas são outra coisa. Que
ainda não se descobriu.
E
por último aquelas nas quais me incluo e que têm um travo de "deixa andar": não têm qualquer queda para a limpeza,
não lhes assiste sequer uma ordem metódica, mas esforçam-se imenso para ser
parecidas com o razoável. Porque lhes falta método e em tudo seguem a forma
mais difícil, têm mais trabalho que as restantes embora realizem menos.
Levam horas a arrumar uma gaveta que desarrumam em dez minutos e há sempre
muita coisa em espera. Parece-me o melhor tipo. Não só porque é o meu, mas
também por não ser acintoso: o que não se faz hoje far-se-á noutro dia. Que não
tem que ser o dia seguinte. E como as coisas se protelam, não existe a
desvantagem de não ter nada para fazer. Quando morrerem vai sobrar bastante. São um bocadinho psicóticas mas ao contrário e nota-se menos.
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