terça-feira, 16 de setembro de 2014

Minhocas e Caraminholas

Ouvi há dias uma conversa palerma e bem humorada sobre a independência do Alentejo. Chegou por graça e arrastamento do referendo escocês. E só podia. Se há gente que não deseja separações, físicas ou de outra natureza, são os alentejanos. Não há nada a fazer, nasceram siameses com o resto do mundo, precisam dele. Poderá alguém afirmar, mas vivem tão isolados, são meios tristes, melancólicos…Bommm…são meios tristes e melancólicos porque assumem, fingem menos, dão-se ao natural de serem assim, unos com a paisagem, já que o resto de Portugal faz questão de ser outra coisa. Conheço mesmo vários alentejanos em fincapé: é condição de nascimento, não mudam.
A história de viverem isolados também tem de ser revista: por vezes, vivem isolados dos humanos; não dos animais, nem das coisas, nem dos elementos. A alma alentejana é Pan e meia índia, convive irmãmente com o que a rodeia. E vezes existem em que o interlocutor alentejano é um bem mal empregue ainda que o próprio não se dê conta do valor e tal questão lhe desinteresse.
E quem me leia aduz com alguma razão que estou a tomar partido. Ah, pois estou. E depois?! O mundo treina-nos intensivamente para fazermos escolhas e, ao mínimo sinal de independência, cai-nos em cima. Assim não vale.
No entanto, concedo que há questões (im)pertinentes: e o limar de arestas, a mudança que em nós faz o meio físico e humano, o amor, a amizade e o mais.  Ora bolas. Os alentejanos podem ser ingénuos, mas não são estúpidos. Dizer que não mudam equivale a afirmar que, na sua essência, a mudança é impossível em qualquer homem; que, como determina o ditado chinês, quem nasce lagartixa pode ser uma lagartixa soberba, mas nunca chegará a jacaré (eu diria que nem a lagarto, e que não precisava uma diferença tão abismal, mas pronto, os chineses só entendiam assim. Se calhar). Por acaso, ninguém duvida desta verdade de La Palisse à chinesa. Palavra que não entendo a razão de o saber popular chinês ter mais peso que a sabedoria alentejana. Se um alentejano o diz a seu modo, está armado em burro que não quer ver, calhau que não admite desgaste, estêva na serra d’Ossa, e coisas de maior acidente. Mas um ditado chinês é lei, tem a bênção de Buda, milhares de anos antes de JC – o tempo de experiência conta muito nestas coisas de ditados populares.  Não acho bem. A mente alentejana é tão vagarosa, por que motivo não há-de isso contar a favor? Não. É tudo anedota, são vistos como “um pouco retardados”, lentos.
Oh! Já me desviei. Entusiasmo sempre que embico para a alma alentejana. O que queria trazer a arejo era a mania das limpezas na cabeça das alentejanas. Sim, sim, os livros de psicologia têm razão, não é só a cor da papoila ou o cheiro da alfazema que nascem na mente. A mania de limpar também lá está. Não quero massacrar nenhuma alentejana, detesto golpes, sangueira e gritaria (elas esperneiam que se farta por um feridita num dedo, imaginem o resto), mas tenho certeza de que há-de haver um espaço sem ambivalência para o terrorismo de limpar. Que des-existe no género masculino.
Vou limitar-me a uns exemplos, não quero levantar ondas senão terei que limpar e sou alérgica aos ácaros. Existe de tudo: as mulheres que passam a vida a lavar as mãos e gostam demais de estar ao tanque; só se sentem bem a mexer na água que mudam muita vez porque sempre lhes parece suja. Este tipo endoidece por uma nódoa, esgatanha-se a esfregar, tem as gavetas impecáveis e seleciona as peças por tamanhos e cores. Actualmente, sem tanques de lavar, pelam-se por máquinas com variados programas e gostam de apregoar quantas fazem por semana como se fora assunto de interesse prioritário. Aprende-se muito com elas, mas são ligeiramente paranóicas.
Há também as que na limpeza de fim-de-semana passam tudo a pente fino, descascam a sapateira e lavam os sapatos por dentro e por fora (não deve ser calçado do Lidl nem da seaside, senão não se aguentava ao banho semanal). Têm casas muito vaporosas e refulgentes (areiam tudo), a mania de andar descalças em casa e almoçam e jantam num anexo. Têm um bocadinho de vocação de capacho, desgosto.
E depois há mais dois tipos extremos: a que limpa constantemente sem nunca sujar o que limpa. É a mulher-déspota-vítima. Tem uma casa museu que não usa nem deixa usar; nunca se senta nos sofás da sala (se se sentar é sobre um plástico); pouco abre as janelas; possui os electrodomésticos último grito sem experimentar; vive e dorme no anexo; não cozinha determinados pratos porque fazem fumo e sujam; não acende nunca a lareira porque faz cinza…É a mais perigosa. A inimiga número um da humanidade. Gente que me ouvis, é de fugir; fazem toda a gente infeliz incluindo elas mesmas. Quando os médicos resolverem começar a tratar seriamente das mulheres vão autopsiar este género e verificar que tem uma avaria mental grave.  Por enquanto dão pelo confortável nome de psicóticas. Mas são outra coisa. Que ainda não se descobriu.

E por último aquelas nas quais me incluo e que têm um travo de "deixa andar": não têm qualquer queda para a limpeza, não lhes assiste sequer uma ordem metódica, mas esforçam-se imenso para ser parecidas com o razoável. Porque lhes falta método e em tudo seguem a forma mais difícil, têm mais trabalho que as restantes embora realizem menos. Levam horas a arrumar uma gaveta que desarrumam em dez minutos e há sempre muita coisa em espera. Parece-me o melhor tipo. Não só porque é o meu, mas também por não ser acintoso: o que não se faz hoje far-se-á noutro dia. Que não tem que ser o dia seguinte. E como as coisas se protelam, não existe a desvantagem de não ter nada para fazer. Quando morrerem vai sobrar bastante. São um bocadinho psicóticas mas ao contrário e nota-se menos. 

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