Nos
degraus de viver, cada homem tem a sua história com o sexo. Não o biológico,
seu, mas a ideia de haver um acto sexual que acontece entre as pessoas e a
certeza de também pertencer ao grupo – dada a partir do exterior - e muito
anterior às pressões do corpo. Que os acenos do corpo são, também eles,
parte dessa história pessoal e única. Certezas que nos situam. Idênticas em
todos os homens, cada um as vive a seu modo. Como pode. E sabe. O que não nos
torna forçosamente melhores ou piores. Apenas diversos. E quanto!
Não
me lembro de uma hora ou um dia específicos em que eu tenha intrigado com o
facto de haver entre mim e os rapazes diferenças anatómicas notórias. Conheci-as desde
cedo e aceitei-as sem
as julgar condição de ou para alguma coisa. Na infância mais recuada, o sexo como
assunto não me existiu. Ou, freudiana qb, lhe apaguei a existência. Tenho porém
uma certeza, não desejei casar com o meu pai e desacredito de formas
inconscientes para a expressão desse desejo que considero impossível, o medo
que lhe tinha era tanto que até o inconsciente não me traía a vontade. Ao
contrário, bastante me satisfazia se trabalhasse longe, ainda que sem memória
de lhe desejar morte explícita. Nesse tempo, o meu pai era-me alguém muito
estranho, mas imortal. Fazia-me parte da vida, mesmo sem lhe entender sentido. E era assim.
Por
outro lado, o universo das relações maritais, secura a toda a
prova, deixava maus tratos frequentes nas mulheres que viviam arrastadas de
trabalho e preocupação com os filhos e a subsistência, entre lamentos e rugas extemporâneas. A falta
de qualidade na construção das casas criava paredes atravessadas de gritos,
imprecações, choro, pancada…Gemidos de amor ouvi pela primeira vez no cinema,
tinha vinte anos. E achei que se acaso fosse verdade e não teatro, seria lindo,
com sabor de maravilha. Mas não havia a quem perguntar se era a sério ou apenas
fita.
Portanto,
o mundo adulto não motivava desconfianças precoces e curiosidades brejeiras:
jamais vi os meus pais beijarem-se na boca, abraçarem-se, um carinho entre os
dois...tão pouco o observei nos pais das minhas amigas. Vivia num mundo que
ainda não questionava e tomava às colheres, por olhos e ouvidos. Convencida de que era bem
melhor ser criança.
Então,
dormia sem suspeita no quarto dos meus pais. Desse tempo,
recordo apenas o que hoje sei serem preservativos e que me intrigavam
sobremaneira, na gaveta da mesa-de-cabeceira. Perguntei e, são balões, não se
mexe. Ora, certa vez, tirei um balão da sua cama de pó de talco ou o que fosse – cujo não
entendia para que estava - soprei e não
encheu minimamente. Eram, aliás, balões bem esquisitos, todos sem cor e de
forma alongada. Minha mãe estava ao tanque com outras vizinhas, chego afogueada
de novidade, mãe, aqueles balões da mesinha de cabeceira não enchem e não estão
rotos, deito-os fora? A minha mãe avermelhou enquanto as vizinhas, por entre
salpicos de água suja, sorriam para a pedra de lavar; olhou-me com cara de caso
e disse, vai já lavar a boca, ali não se mexe. Não deitas nada fora, a mãe já
vai ter contigo. E depois chegou com uma explicação para as minhas queixas de
um cheiro estranho, que era a bexiga do meu porquinho que tinha morrido e ela
guardara e eu, então não são balões, por que é que a mãe disse que eram; e ela
engatou uma resposta que não entendi e mais repetições de não mexer. Eu em
estranheza insistente, mas é mais que uma, mãe, estão guardadas para quê? Ela,
que eram de outros porcos que tínhamos tido. Pensei que os adultos eram meios
parvos a guardarem bexigas de porco, mas não só acreditei – ó eterna
credulidade – como, para aflição de minha mãe, trazia à baila, com todo o
pormenor e quando menos se esperava, o insólito das bexigas de porco na mesinha
de cabeceira. E, às escondidas, mostrava-as às minhas amigas de
jantarinhos e outras brincadeiras, que ficavam tão pasmas como eu,
experimentavam com a força toda e aquilo não enchia; de forma que não
percebíamos por que se havia de guardar tal coisa dentro de uma latinha que até
nos merecia desvelo e desejo de que viesse parar à quinquilharia guardada
debaixo da minha cama, numa caixa de sapatos.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário