segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Sexo na Terra do Nunca

Nos degraus de viver, cada homem tem a sua história com o sexo. Não o biológico, seu, mas a ideia de haver um acto sexual que acontece entre as pessoas e a certeza de também pertencer ao grupo – dada a partir do exterior - e muito anterior às pressões do corpo. Que os acenos do corpo são, também eles, parte dessa história pessoal e única. Certezas que nos situam. Idênticas em todos os homens, cada um as vive a seu modo. Como pode. E sabe. O que não nos torna forçosamente melhores ou piores. Apenas diversos. E quanto!
Não me lembro de uma hora ou um dia específicos em que eu tenha intrigado com o facto de haver entre mim e os rapazes diferenças anatómicas notórias. Conheci-as desde cedo e aceitei-as sem as julgar condição de ou para alguma coisa. Na infância mais recuada, o sexo como assunto não me existiu. Ou, freudiana qb, lhe apaguei a existência. Tenho porém uma certeza, não desejei casar com o meu pai e desacredito de formas inconscientes para a expressão desse desejo que considero impossível, o medo que lhe tinha era tanto que até o inconsciente não me traía a vontade. Ao contrário, bastante me satisfazia se trabalhasse longe, ainda que sem memória de lhe desejar morte explícita. Nesse tempo, o meu pai era-me alguém muito estranho, mas imortal. Fazia-me parte da vida, mesmo sem lhe entender sentido. E era assim.
Por outro lado, o universo das relações maritais, secura a toda a prova, deixava maus tratos frequentes nas mulheres que viviam arrastadas de trabalho e preocupação com os filhos e a subsistência, entre lamentos e rugas extemporâneas. A falta de qualidade na construção das casas criava paredes atravessadas de gritos, imprecações, choro, pancada…Gemidos de amor ouvi pela primeira vez no cinema, tinha vinte anos. E achei que se acaso fosse verdade e não teatro, seria lindo, com sabor de maravilha. Mas não havia a quem perguntar se era a sério ou apenas fita.  
Portanto, o mundo adulto não motivava desconfianças precoces e curiosidades brejeiras: jamais vi os meus pais beijarem-se na boca, abraçarem-se, um carinho entre os dois...tão pouco o observei nos pais das minhas amigas. Vivia num mundo que ainda não questionava e tomava às colheres, por olhos e ouvidos. Convencida de que era bem melhor ser criança.

Então, dormia sem suspeita no quarto dos meus pais. Desse tempo, recordo apenas o que hoje sei serem preservativos e que me intrigavam sobremaneira, na gaveta da mesa-de-cabeceira. Perguntei e, são balões, não se mexe. Ora, certa vez, tirei um balão da sua cama de pó de talco ou o que fosse – cujo não entendia para que estava -  soprei e não encheu minimamente. Eram, aliás, balões bem esquisitos, todos sem cor e de forma alongada. Minha mãe estava ao tanque com outras vizinhas, chego afogueada de novidade, mãe, aqueles balões da mesinha de cabeceira não enchem e não estão rotos, deito-os fora? A minha mãe avermelhou enquanto as vizinhas, por entre salpicos de água suja, sorriam para a pedra de lavar; olhou-me com cara de caso e disse, vai já lavar a boca, ali não se mexe. Não deitas nada fora, a mãe já vai ter contigo. E depois chegou com uma explicação para as minhas queixas de um cheiro estranho, que era a bexiga do meu porquinho que tinha morrido e ela guardara e eu, então não são balões, por que é que a mãe disse que eram; e ela engatou uma resposta que não entendi e mais repetições de não mexer. Eu em estranheza insistente, mas é mais que uma, mãe, estão guardadas para quê? Ela, que eram de outros porcos que tínhamos tido. Pensei que os adultos eram meios parvos a guardarem bexigas de porco, mas não só acreditei – ó eterna credulidade – como, para aflição de minha mãe, trazia à baila, com todo o pormenor e quando menos se esperava, o insólito das bexigas de porco na mesinha de cabeceira. E, às escondidas,  mostrava-as às minhas amigas de jantarinhos e outras brincadeiras, que ficavam tão pasmas como eu, experimentavam com a força toda e aquilo não enchia; de forma que não percebíamos por que se havia de guardar tal coisa dentro de uma latinha que até nos merecia desvelo e desejo de que viesse parar à quinquilharia guardada debaixo da minha cama, numa caixa de sapatos.
(continua)

Sem comentários:

Enviar um comentário