Voltei
ao “Fazes-me falta” de Inês Pedrosa. Por preguiça e ametodismo sistemático. Não
me lembrei que ontem era um obrigatório dia de mãos na cozinha. Mãos e o corpo
todo, que não faço por menos. Ou bem que estou, ou bem que não estou. E os
princípios da física – e também da lógica – traçaram o resto, não posso ser simultânea
em dois lugares. Consequentemente, não podia preparar o tema da Semana da Leitura e mergulhar na culinária. Há quem consiga, mas sou, em algumas poucas
coisas, uma mulher atípica: não faço muito ao mesmo tempo. Em primeiro
lugar porque não me apetece cansar-me em demasia. Em segundo porque estou
sempre a fazer duas coisas, a actividade que me destino e o meu monólogo sobre
ela – bem digo que converso com a gata, tretas, converso comigo, a gata é mesmo
só para enfeitar, aquele olho de vidro azul transparente percebe lá alguma
coisa. Em terceiro, porque não é estimulante para a terceira idade – na qual
entrei precocemente e contrafeita – andar a apagar muitos fogos. Não é a idade
da serenidade? Pois então. Portanto, optei por culinar. À noite, vim terminar a
releitura do romance e fui dormir sobre. Voltar-me na cama. Hoje escrevi drasticamente um esquema apressado, pensei no como da apresentação e faltei ao compromisso que tenho
com a água.
Li
as críticas ao romance e são do melhor. Tinha-me entusiasmado na primeira
leitura. Julgo que seja um bom romance para uma turma de humanidades. E lá fui
explicar o feminismo e as suas lutas, contrariar o meu ex-slogan – completamente
parvo, diga-se de passagem – “Sou feminina , não sou feminista”, mostrar que
uma coisa sem a outra não existe – é tudo ou nada -; lembrar que as leis são um
caminho para uma realidade diferente mas só a mudança das mentalidades – homens
e mulheres – modifica o quotidiano. E as mentalidades são lentas. E lentas. E
lentas. Falar do direito ao próprio corpo de que tanto abdicamos e da qualidade
que pode haver numa relação entre iguais. E mais coisas que não me lembro.
E
depois veio a Inês a reboque e mais as suas lutas que ela não deixa por menos e
as assume na vida e no papel. E o “Fazes-me falta”, romance de que gosto por
haver nele vibração de verdade (e quero lá saber das críticas que li e se
concordam ou não comigo. Eu concordo comigo e parece-me suficiente. Por agora),
escrito num estilo que considero diarístico e poético a escorrer (na segunda
leitura as metáforas emperraram-me um tanto o pensamento, pareceram-me por
vezes em catadupa e outras surgiram-me repetidas). Mas é aquela veemência que
nos convence. E, sendo sobre a morte, não é um livro triste.
Porém,
todos os livros são sobre a morte. Foi o que tentei provar e não sei se
consegui. Os homens escrevem por temporalidade, o mundo divino prescinde da
escrita, o seu eterno presente enche-se com o ser redondo que é, sem memória ou
palavra, incha de si e basta, “Deus é aquele que é”. Não há mudança sem morte,
não pode haver o novo sem a extinção do velho (Anaximandro, Anaximandro). Seja
isso o que seja. Morramos pois. Diários e diáfanos. Até ao ponto sem sentido
que, desde o nascimento, dá sentido à nossa linha pequena. Oh certeza fatídica
que sem ti não saberíamos nem como experimentar viver.
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