quarta-feira, 18 de março de 2015

Olívia



Morreste. Assim. Sem mas nem mais.
De alguma forma já tinhas morrido. Se habitas um Olimpo omnipotente, sabes quando. Se não, digo-te que foi no dia em que não me quiseste junto de ti, quando vali menos do que uma prima de Lisboa, lembras-te? A tua voz no telefone a escolhê-la a ela. Sei, não o disseste com o propósito de magoar, foste em absoluto sincera e sou-te grata por isso, situarmo-nos dentro das afeições e situá-las dentro de nós, é bem de primeira necessidade. E tu, a uma prima que ficaria contigo uma semana não podias roubar três ou mesmo quatro horas de um dia. Não tive em ti esse merecimento. Estúpida de mim! Quando o afirmaste, logo comecei a dizer que era engraçado conhecê-la. Cerceaste-me sem hesitação. Eu não te dava jeito. Tinhas razão, sabes? Nem para mim mesma sou uma pessoa jeitosa.
A morte é um domínio tão obscuro. Não sei se podes ver-me. Se me lês. Se agora, finalmente, me conheces a alma. Quero crer que sim. Que, nesse reino desconhecido dos homens, o teu pensamento exista e possas compreender-me. A mim. Que sou ainda esta amálgama de terra, sangue, nervos, ossos e o mais.
Quando alguém me ligou – quem sabe, a prima de Lisboa – a comunicar, não houve surpresa, que as más notícias do coração sempre se me fazem prévias (não nascem como os cogumelos). A verdade é que pedias para ver as minhas fotos de família, mas desconheço por exemplo a aparência dos teus pais; se há fotos deles, não mas mostraste. Porém, uns dias antes da tua morte, vi a tua mãe, imagina! Acordei na certeza de que ela a meu lado. Suponho que tenha sido um sonho. Só pode ter sido um sonho. Mas eu sei quando os sonhos me avisam embora quase nunca saiba de quê. Neste, nada aconteceu. Não houve história, cenário, voz, cores. Era apenas o rosto dela  - que na verdade desconheço e nem sei se seria aquele, mas acredito – em visitação, uma fotografia desmedida a olhar-me a preto e branco. E nem a sombra de um sorriso. Tão séria, a fixar-me. Acordou-me o assombro daquele olhar enigmático, intrigada com as ondas do basto cabelo grisalho, único factor que parecia real e mesmo desenquadrado.

E pronto. Quem sabe, ainda gostas de um abraço justinho e sem roda para os caminhos do eterno:)

Sem comentários:

Enviar um comentário