E
caracterizei as personagens e li trechos de cada uma; e projectei a Inês em
alguns alegretes daquela mulher – é um canteiro de flores a garota.
O
estado actuante de paixão salvadora de que a personagem feminina se reveste parece
quadrar com Inês Pedrosa pelas causas em que se envolve e a forma algo
arrebatada e muito existencial de se exprimir em entrevistas e programas que vi
e ouvi.
E
revesti de ternura acalorada aquele homem tão mais velho que a poupava a
observações mais contundentes, a protegia quase paternal, gostava dos seus
deslizes e apropriações, se orgulhava das ideias que ela lhe roubava, no sem
distância tão do amor que também é amigo (olha, olha, que amigo faria isso,
Inês). E discorri sobre uma amizade que não existe nem pode, de romance. Sem
corpo de desejo, mas com o corpo. As coisas que a gente lê e gosta sabendo-lhe
a verdade apenas imaginária. É indubitável, os ideais continuam bastante
apetecíveis.
Inês
Pedrosa afirmou em algumas entrevistas que escreveu sobre a morte porque vivera
a experiência de perda com a morte do
pai e foi a forma de pacificar a dor, exorcizá-la. Além disso, considera a
amizade um sentimento de rara pureza, a forma de amor mais despojada de interesse.
Daí o ter imaginado um universo relacional que não inclui o amor sexuado e onde
o prazer se situa apenas ao nível de afinidades e sentimentos tornados
cúmplices pela proximidade entre os dois personagens. Ainda que a personagem
feminina afirme, “nós nunca fomos cúmplices, éramos promíscuos. Dedicávamo-nos
a combater o pensamento um do outro até chegar à névoa humana.”, verifica-se ao
longo da obra que em muitos aspectos da vida existem os dois em contraposição
justaposta, numa oposição tão simétrica como acontece nas afinidades. E a
verdade é que viam um no outro o que escapava aos demais “ninguém sabe falar de
como tu fumavas, com o cigarro entre o terceiro e o quarto dedo da mão
esquerda. Ninguém é capaz de descrever a curva dos teus dedos em movimento de
marioneta”. E essas memórias, diacrónicas ou em uníssono, fazem o universo
significante de todo o livro. Ainda que Inês o tenha querido rematar com a
ética, dar-lhe um sentido, sabemos que não é isso que une aqueles dois. Quase
parece que Inês Pedrosa tentou exorcizar um amor que não o do pai, que se apresentou
ou não quis ir além de (quiçá, até por vontade de ambos os intervenientes).
Asseguro: não é possível escrever tal romance de cor. É minha opinião que Inês
Pedrosa não tem livro mais marcante (ainda desconheço o último). É certo que
amadureceu conhecimentos – é quase especialista no Padre António Vieira, por
exemplo -, conserva a depuração de linguagem, burila melhor o seu cristal, mas
não voltou a conseguir a proximidade quente, confessional, de Fazes-me falta.
Admito: será preconceito. Concedo, nem todos os romances beneficiam com o
pendor de “Fazes-me falta”. Mas, dentro
do género, tem força. Quem sabe, hoje, agarrei alguma daquelas garotas com ele.
Porque
será que a Inês se queixa tanto da falta de importância dada aos escritores da
sua geração?! As oportunidades de emprego e de trabalho como escritora – não está em causa o mérito –, a diversidade
das suas publicações e os prémios recebidos, desmentem….
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