sexta-feira, 20 de março de 2015

“Fazes-me falta” Inês Pedrosa

E caracterizei as personagens e li trechos de cada uma; e projectei a Inês em alguns alegretes daquela mulher – é um canteiro de flores a garota. O estado actuante de paixão salvadora de que a personagem feminina se reveste parece quadrar com Inês Pedrosa pelas causas em que se envolve e a forma algo arrebatada e muito existencial de se exprimir em entrevistas e programas que vi e ouvi.
E revesti de ternura acalorada aquele homem tão mais velho que a poupava a observações mais contundentes, a protegia quase paternal, gostava dos seus deslizes e apropriações, se orgulhava das ideias que ela lhe roubava, no sem distância tão do amor que também é amigo (olha, olha, que amigo faria isso, Inês). E discorri sobre uma amizade que não existe nem pode, de romance. Sem corpo de desejo, mas com o corpo. As coisas que a gente lê e gosta sabendo-lhe a verdade apenas imaginária. É indubitável, os ideais continuam bastante apetecíveis.
Inês Pedrosa afirmou em algumas entrevistas que escreveu sobre a morte porque vivera a experiência  de perda com a morte do pai e foi a forma de pacificar a dor, exorcizá-la. Além disso, considera a amizade um sentimento de rara pureza, a forma de amor mais despojada de interesse. Daí o ter imaginado um universo relacional que não inclui o amor sexuado e onde o prazer se situa apenas ao nível de afinidades e sentimentos tornados cúmplices pela proximidade entre os dois personagens. Ainda que a personagem feminina afirme, “nós nunca fomos cúmplices, éramos promíscuos. Dedicávamo-nos a combater o pensamento um do outro até chegar à névoa humana.”, verifica-se ao longo da obra que em muitos aspectos da vida existem os dois em contraposição justaposta, numa oposição tão simétrica como acontece nas afinidades. E a verdade é que viam um no outro o que escapava aos demais “ninguém sabe falar de como tu fumavas, com o cigarro entre o terceiro e o quarto dedo da mão esquerda. Ninguém é capaz de descrever a curva dos teus dedos em movimento de marioneta”. E essas memórias, diacrónicas ou em uníssono, fazem o universo significante de todo o livro. Ainda que Inês o tenha querido rematar com a ética, dar-lhe um sentido, sabemos que não é isso que une aqueles dois. Quase parece que Inês Pedrosa tentou exorcizar um amor que não o do pai, que se apresentou ou não quis ir além de (quiçá, até por vontade de ambos os intervenientes). Asseguro: não é possível escrever tal romance de cor. É minha opinião que Inês Pedrosa não tem livro mais marcante (ainda desconheço o último). É certo que amadureceu conhecimentos – é quase especialista no Padre António Vieira, por exemplo -, conserva a depuração de linguagem, burila melhor o seu cristal, mas não voltou a conseguir a proximidade quente, confessional, de Fazes-me falta. Admito: será preconceito. Concedo, nem todos os romances beneficiam com o pendor  de “Fazes-me falta”. Mas, dentro do género, tem força. Quem sabe, hoje, agarrei alguma daquelas garotas com ele.

Porque será que a Inês se queixa tanto da falta de importância dada aos escritores da sua geração?! As oportunidades de emprego e de trabalho como escritora  – não está em causa o mérito –, a diversidade das suas publicações e os prémios recebidos, desmentem…. 

Sem comentários:

Enviar um comentário