sexta-feira, 10 de julho de 2015

D. Maria de Jesus Barroso

Bem sei que já toda a gente lhe escreveu. Que recebeu uma quantidade assinalável de elogios merecidos. Que lhe reconheceram, publicamente e sem mentir, as maiores qualidades. Que, de figuras públicas a meros figurantes, todo cão e gato lhe desenhou um enfeite. Em alguns foi mais rebuscado, noutros mais modesto, muitos a falar-nos ao coração. O certo é que a senhora acolchoou em carinho português. Tem que concordar, para um povo que não escreve, foram bastos textos. Mérito seu, portanto.
E agora que já arruma a correspondência, chego eu. Mas é que…bom, li textos de amigos e familiares, de poetas e jornalistas, de antigos alunos, de governantes e ex governantes. Peço imensa desculpa, mas falta o meu. É possível que alguém tenha escrito do mesmo lugar – a bancada do povo comporta muita gente – mas não terá iguais lembranças.   
É inegável que a senhora, Dona Maria de Jesus, fez bem a muita gente e de muito modo, a sua humanidade foi sempre do melhor quilate. Quero apenas expor a parte que me tocou. Cumpre-me esclarecer que só nos dissemos boa tarde duas ou três vezes por semana ao longo de dois anos. Não sei já como se chama a rua do Colégio Moderno, mas era ali que eu a ultrapassava, a senhora saindo de sua casa e em visita ao colégio e eu numa pressa esgalgada para as aulas. E não foi aquele cumprimento banal de olha desolha e boa tarde, que me cativou. Foi o seu jeitinho singelo de portuguesa comum, vestida de escuro, sapatos vulgares; nas tardes mais crespas, o tricotado de um xailinho a agasalhar. Usava o cabelo preso com ganchos baratos – na altura chamávamos-lhe molas - puxado logo acima das orelhas. A primeira vez que a ultrapassei – nessa época as aulas da Faculdade de Letras começavam em Novembro - colei ao penteado enquanto a senhora, sem identidade, uma mão a ajustar o xaile ao corpo, entrava num portão  de onde saiam muitas vozes infantis e, de relance, vi bibes e pernas e pés que correram a rodeá-la. E eu que antes vinha em modo papa-léguas, estaquei a olhar para trás. Mas já só estava o portão. E eu varada de surpresa e recordação. Quanto tempo sem ver alguém pentear-se assim… e logo as tuas mãos emergiram a segurar cabelo e pente, a desembaraçá-lo mecha a mecha, e depois a retirar a mola que prendias na boca ou descansava sobre a mesinha, a abri-la e atravessá-la com mestria no cabelo que assim te descobria a cara. A sério que me subiu uma vontade de ir bater no portão fechado e lhe agradecer, D. Maria de Jesus. Mas logo caí em mim e no ridículo de ser uma desconhecida fixada em duas molas de cabelo. Depois, gastava o caminho a desejar encontrá-la e ao seu penteado de risca ao lado e molas compridas agarrando cabelos, tão igual às mulheres da minha aldeia no dia do avio. Entretanto, aprendi os dias em que nos cumpimentávamos e aqueles em que não. Não imagina o bem que me vinha de olhá-la. Pensava-a uma avó que ia buscar os netos, e, como nunca a vi sair, a hipótese sustentou-se.
Já o ano escolar iria a meio, quando, por falta de um professor, parte da turma desce para o Borges a beber cerveja. No fim de tarde a amarelar, cruzámo-nos consigo. Deu-me a boa tarde de sempre e olhou-me com os olhos bons que são seus, desta vez frontais, no meio sorriso do reconhecimento. Antes que eu pensasse, o que é que esta senhora anda aqui a fazer, um colega a meia voz, é a mulher do Mário Soares, vai para o Colégio Moderno que é deles. Bom. Só então entendi que o tal portão era parte de um colégio. E fiquei a admirá-la de coração, pela simplicidade afável da figura.
Antes de terminar: acho muito bem que reinvindique o seu lugar ao lado do doutor Mário Soares. Na Terra, ou onde for. Atrás de um grande homem?!!! Ora essa. Apoio-a a 100%. Quero ainda agradecer a sua voz a quebrar quando falou da netinha de oito anos, “A avozinha vai ficar sempre no meu coração”. Garanto, não ficou só no coração da garota.
Por fim, o interesse da jornalista, de que tem saudade. E a senhora, olhos brilhantes e voz levíssima, da minha família, os meus pais, os meus irmãos.. nós éramos muito unidos. Como eu a entendo D. Maria de Jesus! Quem sabe eles não se comoveram também….  
D. Maria de Jesus Barroso, a senhora é uma esteta, fez a sua vida tão bonita!

Um beijinho e Muito Obrigada

1 comentário:

  1. Comovente. Acho que vou enviar este texto para o meu círculo de amigos. É bem restrito, mas, quem sabe? Eles enviarão para outros. Acho que mais pessoas merecem ler este texto. Que dizes?

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