Atentamente na Bienal
A
atenção humana é enigma maior que o da esfinge. Nada promete a quem o desvende
e é provável que não seja de esmiuçar. Pode até parecer que exercita a
desobediência deliberada. Senão,
repare-se: é incompreensível que estejamos numa aula e só nos lembremos das
pernas vidradas da professora passeando devagar em estalidos finos (e não, não
é motivada por concupiscência adolescente); que vamos a um concerto e, em vez da
música, nos fique a argúcia cuscuvilheira que rebrilha nos olhos da vizinha do
lado; que passeemos no canal e guardemos apenas o garrido das sardinheiras no
cais de embarque. Enfim, a nossa atenção, não só não é exclusiva, como se detém
a desejo e toma para si o que bem entende. Uma desobediente caprichosa. Portanto.
Assim
eu, na Bienal. Passaram-me os pavilhões, as obras, as pinturas e esculturas, as
provocações quase todas. Lamentei o pavilhão fechado da swatch, com animação de Joana de Vasconcelos, e que aguardava técnicos de Portugal cujos deviam fazer caminho a pé, dada a incógnita sobre reabertura.
Pela
escultura descomunal da entrada exterior, o pavilhão mais chamativo era o
inglês. Mas, é claro que a minha atenção se concentrou na cor – amarelo-ovo –, pareceu-me
uma aranha em ponto grande, ou, com muito boa vontade – achei que tinha poucas
pernas –, um polvo gigante. Fosse o que fosse, achei lindo. E resolvi dar uma
vista de olhos no interior. De que gostei menos. Proliferava uma abundância de
sexos masculinos e femininos, quase todos fumadores. Não achei grande graça,
mas talvez tenha entendido a risota dos nossos rapazes no campismo (eles bem
balbuciavam um cigarro em qualquer lugar...). Edificante e pedagógico.
Portanto. Atardei-me um pouco à saída, observando a escultura.
Era o máximo, exibia um agradável arqueado de pernas e havia na extremidade
central qualquer coisa de flor a desabrochar, uma irrupção que me convencia.
Mas ainda tanto por ver! Desci a escada e consultei o mapa a decidir caminho.
Eis senão quando o Luís me encontra – de cada vez que acontecia, trocávamos informação contando uns aos outros o que mais nos agradara e aconselhávamo-nos – e logo
me apressei a recomendar o pavilhão inglês desvendando que a escultura da
entrada estava um primor. E ele numa espécie de solilóquio, sim, já lá estive,
também gostei daquele pénis, a cor é muito adequada. Bom. Voltei atrás, a reapreciá-lo; vê-lo pela
primeira vez na sua qualidade; merecia. Mas é que não consegui, o primeiro
olhar é que manda em nós, é o original. A
escultura surgia-me bem mais bonita e estilizada. Porém, aquela força de flor a
desabrochar...coaduna. Parabéns ao escultor. Já lhe dava as costas quando ouvi –
e vi - um garotinho de calções, mão dada a uma jovem muito italiana, dedo
esticado para o amarelo-ovo, guarda mamma, un gricino tanto grande!; confesso,
senti-me mais acompanhada.
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