terça-feira, 3 de novembro de 2015

Um Agosto em Itália

Ah, Os vaporettos nos canais! E agora eu desfiava uma quantidade de frases românticas sobre a poética de se viajar de barco e não haver automóveis em Veneza e o ar despoluído e assim. Mas é que, ajoujada de malas e sacos, o esqueleto num estertor a acompanhar-lhes o peso, não há poética que resista, beleza que nos não abandone. De joelhos vizinhos do queixo e olhos  na água, recordo o nosso bolinhas cheio como um ovo, mas os meus braços em descanso, as minhas pernas nas dobras normais e não este arco baleno sobre a bagagem que ameaça desabar de encontro ao meu ensonado vizinho do lado com quem convivo intimamente, tão siameses um do outro que ao levantar, me arranca junto, eu a estorcegar-me toda, tá-me a magoar caramba, não puxe com tanta força que a gente tem que se despegar primeiro. E aí talvez ele abra muito os olhos e comece a separar-nos à pressa, isto é meu, isto é teu, isto é meu, isto também, toca a despachar que o Vaporetto para só uns minutos e tenho de sair; e depois, em  desespero de causa, arrasta-me até à escada (vou de boleia que é alto e nem chego com os pés ao chão), uns bocados de cinta ainda em comum, e pede ajuda ao cobrador dos bilhetes, a apontar-me como se um contrapeso indesejado, olhe pra isto, ainda não cheguei completamente e já um sarilho destes me toca, a culpa é da sobrelotação, agora estamos pegados. Que vida (suspira), se a minha mãe sabe, dá-lhe um baque dos antigos, o senhor  desembarace-nos que não deve ser a sua primeira vez, mas é a nossa e temos pressa de ser um mais um;  ui, cuidado que esse bocado de pele é meu e já está negro de tanto repuxar –  e desata a esfregar no doloroso, a fazer-me cócegas com os nós dos dedos, eu a rir-me sem querer e ele numa interrogação de birra francesa, quelle bêtise... 
       Olho-o fora do sonho e o jovem francês não encolheu, está ali, factual e palidamente alto, olhos fechados, braços serpenteando a mochila que lhe barra o estômago. Como será que ele me sente, pergunto-me. Em mim, o vizinho tem consistência de muro. Os homens são assim: consistentes de corpo. É isso, as mulheres são rendadas: de pensamento, de esqueleto e até de carnes. Nenhuma mulher tem consistência de muro. Por mais gorda. E nenhum homem tem pensamentos rendilhados ou deixa de ter aquele jeito sólido de parede. Por mais magro. E entretanto, ainda que o Luís destine e apresente, o Cemitério, o Palácio dos Doges, a Praça de S. Marcus e etc., foi isto que pensei durante a indisposição no Vaporetto. Hummm…também reparei que a água era suja e que havia demasiados barcos a sulcá-la. O resto foi esforço. Repleto de suor corrente. Pensei no Pico Evereste e no íngreme das escaladas. Veneza é essa planura que se escala fortemente. Metro a metro. Quilo a quilo. 

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