terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Conto de Natal

             Em 1960 eu já espigava para jovem, mas ainda acreditava em todas as histórias do meu avô. Esta data não faz parte do que vou contar, mas são bons números e soa-me bem. Por isso, tenham paciência, deixem-na estar. Ora, dizia eu, calhou-me nascer e crescer num tempo que os meus filhos e netos julgam pré-história, uma espécie de advento da civilização. Também por isso, no correr dos anos e transformações da vida, esqueci a maioria dos contos com que o meu avô entretinha os serões.  Porém, a idade cai-nos em cima sem dó: aumentaram-me o peso e a cinta, barba e cabelo ficaram brancos, a pele começou a sobrar-me pelo corpo. Ganhei rugas a que os netos mais novos chamam “riscos”; dizem eles, a cara do avô tem riscos e a do pai não. E é agora, na idade de contador, que me falta a arte e sinto pena por não lembrar os contos que o meu avô desfiava como se fossem coisas certas e suas, verdades puras que desembrulhava cuidadoso e só para nós. Eram contos bonitos que passavam na família de geração em geração. Ele entregou-mos em mão. Mas quando quis contá-los, tinham evaporado. Estão perdidos para sempre. Quebrei o fio de memória e não é possível reatá-lo. Por isso, a minha obrigação é, pelo menos, inventar um conto novo.

            Quando a minha filha era bebé, eu trabalhava a semana inteira na Base aérea de Beja e, para chegar a Setúbal onde tínhamos casa, percorria, aos fim-de-semana, os caminhos do Alentejo profundo. O nosso fiat 600, comprado a prestações custosas de vencer, demorava horas e horas na viagem, sobreiros e azinheiras sem conta a deslizarem lentidões através dos vidros do carro, e a estrada uma fita mágica que acrescentava em cada curva. Nesse dia, regressava a casa para umas curtas férias de Natal, trazia no banco de trás as prendinhas inchadas de laçarotes pimpões e antevia bons momentos passados em família. 

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