Em 1960
eu já espigava para jovem, mas ainda acreditava em todas as histórias do meu
avô. Esta data não faz parte do que vou contar, mas são bons números e
soa-me bem. Por isso, tenham paciência, deixem-na estar. Ora, dizia eu, calhou-me
nascer e crescer num tempo que os meus filhos e netos julgam pré-história, uma
espécie de advento da civilização. Também por isso, no correr dos anos e transformações da
vida, esqueci a maioria dos contos com que o meu avô entretinha os
serões. Porém, a idade cai-nos em cima
sem dó: aumentaram-me o peso
e a cinta, barba e cabelo ficaram brancos, a pele começou a sobrar-me pelo corpo.
Ganhei rugas a que os netos mais novos chamam “riscos”; dizem eles, a cara
do avô tem riscos e a do pai não. E é agora, na idade de contador, que me falta a arte e sinto
pena por não lembrar os contos que o meu avô desfiava como se fossem coisas certas e suas, verdades puras que desembrulhava cuidadoso e só para nós. Eram contos bonitos que passavam na família de geração em geração. Ele entregou-mos em mão. Mas quando quis
contá-los, tinham evaporado. Estão perdidos para sempre. Quebrei o fio de
memória e não é possível reatá-lo. Por isso, a minha obrigação é, pelo menos, inventar
um conto novo.
Quando a minha filha era bebé, eu
trabalhava a semana inteira na Base aérea de Beja e, para chegar a Setúbal onde
tínhamos casa, percorria, aos fim-de-semana, os caminhos do Alentejo profundo. O nosso fiat 600, comprado a prestações custosas de vencer, demorava
horas e horas na viagem, sobreiros e azinheiras sem conta a deslizarem lentidões
através dos vidros do carro, e a estrada uma fita mágica que acrescentava em
cada curva. Nesse dia, regressava a casa para umas curtas férias de Natal,
trazia no banco de trás as prendinhas inchadas de laçarotes pimpões e antevia
bons momentos passados em família.
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